A Igreja precisa mudar a forma de escolher seus bispos
Robert Mickens
Diretor-chefe
da revista “Global Pulse”
National
Catholic Reporter
26-09-2016
Papa Francisco acredita realmente que há uma grave
falta de qualidade
entre os padres e bispos na Igreja.
PAPA FRANCISCO ENCONTRA OS NÚNCIOS APOSTÓLICOS Vaticano - Sala Clementina, 17 de setembro de 2016 Tenha acesso ao discurso proferido aos núncios, clicando aqui |
A
esta altura deveria estar claro.
O
Papa Francisco acredita realmente que há uma grave falta de qualidade entre os
padres e bispos na Igreja. Caso
contrário, não falaria tantas vezes sobre os traços negativos de certas pessoas
no ministério ordenado, como fez novamente várias vezes nos últimos dias.
“O mundo está cansado de
encantadores mentirosos. E permito-me dizer: de sacerdotes ‘na moda’ ou de
bispos ‘na moda’”, disse Francisco em 16 de setembro a um grupo de 94 bispos consagrados
nos últimos dois anos para as dioceses em territórios de missão.
“As
pessoas ‘sentem’ – o povo de Deus tem a percepção de Deus – as pessoas ‘sentem’ e afastam-se quando
reconhecem os narcisistas, os manipuladores, os defensores das causas pessoais,
os arautos de cruzadas vãs”, advertiu o papa aos novos bispos que estiveram
em formação em Roma.
Ele
também alertou sobre aceitar com facilidade o ingresso de seminaristas ou
incardinar sacerdotes já ordenados nas dioceses.
“Não vos deixeis tentar pelos números nem
pela quantidade de vocações, mas procurai antes de tudo a qualidade do
discipulado. (…) E estai atentos
quando algum seminarista se refugia na rigidez: por detrás disto existe sempre
algo negativo”, disse.
O
papa igualmente advertiu os bispos para que fiquem atentos a um certo tipo de
“doença dos nossos tempos”, que, segundo ele, estava aceitando “um clero errante ou em trânsito de um
lugar para o outro”. O papa disse para agirem com “prudência e
responsabilidade” nesse tocante.
Por que Francisco sente a
necessidade de dizer tudo isso? Porque, obviamente, o considera um problema comum
em toda a Igreja.
“É negativo para a Igreja,
quando os pastores se tornam príncipes”, afirmou ele dois dias antes em sua audiência geral
de quarta-feira, em 14 de setembro último.
E ele
não falava hipoteticamente.
Estava,
isto sim, denunciando algo que crê ser muito presente: a existência de bispos que, diferentemente do povo a que foram
designados a servir, vivem mais como membros da realeza ou diretores executivos
ricos.
Francisco
teceu esta observação já nas primeiras semanas depois de se tornar papa num
encontro com núncios apostólicos (embaixadores do Vaticano), figuras que
desempenham um papel central na escolha dos bispos.
“Na delicada tarefa de
realizar a investigação em vista das nomeações episcopais, prestai atenção a
fim de que os candidatos sejam Pastores próximos do povo”, disse na ocasião.
PAPA FRANCISCO DISCURSA AOS BISPOS DO CURSO DE FORMAÇÃO Vaticano - Sala Clementina, 16 de setembro de 2016 |
“Pastores! Temos tanta necessidade de
Pastores! Que sejam pais e irmãos, que
sejam mansos, pacientes e misericordiosos; que amem a pobreza, interior como
liberdade para o Senhor e também exterior, como simplicidade e austeridade de
vida, que não sigam uma [mentalidade príncipes]”, advertiu Francisco.
Aqui,
ele instruiu os núncios a não
recomendarem homens que sejam “ambiciosos” – sejam eles padres que cobiçam
o episcopado, sejam prelados que anseiam ser promovidos a uma diocese de maior
prestígio.
A qualidade e a nomeação dos
bispos é algo que o Papa Francisco também discutiu pelos menos duas ou três
vezes dentro de seu grupo de nove cardeais assessores, conhecido coloquialmente
como C-9. De fato, esse tema esteve na pauta da
mais recente reunião do grupo (de 12 a 14 de setembro).
“Os
cardeais refletiram amplamente sobre a
grande importância do perfil espiritual e pastoral necessário para um bispo
hoje”, disse o porta-voz vaticano Greg
Burke, em um comunicado após o encontro do Conselho dos Cardeais.
“Uma
novidade, desta vez, foi um estudo sobre o tema do serviço diplomático da Santa
Sé e da formação e deveres dos núncios apostólicos, em especial, a atenção às
suas responsabilidades na escolha dos candidatos ao episcopado”, acrescentou o
porta-voz.
Burke
não acrescentou detalhes em seu comunicado. Mas Andrea Tornielli, experiente jornalista do jornal La Stampa e de seu sítio eletrônico Vatican Insider, disse que as discussões versaram somente sobre a
revisão do questionário atualmente empregado na avaliação das qualidades dos
candidatos ao episcopado.
Uma
reelaboração deste inventário altamente
confidencial, que o núncio pede a membros seletos do clero e alguns fiéis
batizados para que preencham, foi igualmente debatido pelo menos no encontro de
abril do C-9.
“O
procedimento [para a escolha dos bispos], que sempre segue um certo grau de
discrição”, escreveu o normalmente bem-informado Tornielli, “não deverá
aparentemente ser reformado. O que
deverá ser alterado é o questionário utilizado”.
O
sistema de indicação e escolha deveria ser mudado
Uma
alteração aqui pode ser um tanto necessária e urgente no curto prazo. Mas é uma
má notícia para uma avaliação a longo prazo, pois é exatamente o procedimento para a escolha dos bispos o que deve ser
revisado.
O sistema atual que a Igreja
emprega para elencar e nomear candidatos para o serviço episcopal baseia-se
demasiadamente num favoritismo inerente de uma velha
rede de amigos, a qual, desde meados do século XIX, ancora-se em – e é controlado quase exclusivamente por –
autoridades (outros bispos) assentados, ou com dívida de gratidão, em Roma.
DOM GIOVANNI D'ANIELLO Núncio Apostólico no Brasil |
O núncio apostólico desempenha uma função
importante na elaboração da terna dos (até três) candidatos a um posto
episcopal particular. Estes são enviados ao Vaticano – seja para a Congregação para os Bispos, no caso da
maioria das dioceses, seja para a Congregação
para a Evangelização dos Povos (Propaganda
Fide), no caso dos territórios de missão.
Os membros destes
departamentos
(por exemplo, existem cerca de 30 cardeais e outros prelados ao redor do mundo
que participam da Congregação para os Bispos) discutem e votam nos candidatos. Em seguida, o prefeito da
Congregação (com a ajuda de sua equipe) apresenta as recomendações ao papa que
toma a decisão final de nomeação.
No
entanto, muito antes de isso acontecer,
em muitos casos os bispos já começaram a “aliciar” alguém – quiçá um
seminarista exemplar ou o seu padre secretário – para ser um futuro membro do clube exclusivo: o colégio episcopal.
[Praticamente, se um presbítero não é indicado por um
bispo, dificilmente chegará ao episcopado, mesmo que tenha qualidades e caráter
para tal missão!]
(Como
assim, “exclusivo”? Totalizando pouco
mais de 5.200, os bispos constituem 0,4% dos quase 1,3 bilhão de católicos no
mundo.)
Como
já é de costume, o ordinário [bispo
responsável por uma diocese ou arquidiocese] de uma grande diocese tem uma chance bastante boa de apontar a pessoa
– ou as pessoas – que deseja ter como bispo auxiliar. E se o ordinário
contar com boas relações em Roma, especialmente entre os membros da Congregação
pertinente, este importante hierarca pode, muitas vezes, ajudar no sentido de
um bispo auxiliar seu (ou um outro bispo amigo) vir a liderar,
subsequentemente, a sua própria diocese.
Os
membros da Congregação para os Bispos, eles mesmos, possuem uma parcela
importante nas nomeações. É por isso que se considerou significativo que o Papa
Francisco não tenha renomeado como membro da Congregação para os Bispos o Cardeal Raymond Burke, em vez disso, o
tenha substituído, bem como, ao Cardeal Emérito Justin Rigali (outro
membro) pelo Cardeal Donald Wuerl e
por Dom Blase Cupich, duas figuras
vistas como moderados, sensíveis e mais em sintonia com a visão do atual papa a
respeito do episcopado.
Substituir
os “atores” atuais do sistema de nomeação episcopal – núncios, bem como os
membros e prefeitos das Congregações – e tornar mais explícitas as qualidades
exigidas para um bom bispo (por meio de um questionário revisado) é importante.
Mas, de novo, é uma solução temporária.
Francisco diz querer
promover uma descentralização salutar da
Igreja. E é difícil imaginar algo mais centralizado, hoje, do que a nomeação de
novos bispos por parte de Roma.
Provavelmente
haveria tantos problemas quanto há hoje – e talvez ainda mais – se acaso a
Igreja adotasse (ou voltasse a adotar) uma espécie de processo ideal por meio
do qual padres e o povo realizariam eleições gerais para votar em seu bispo
local.
Em
lugar de optar por um procedimento democrático, seria certamente mais vantajoso se a Igreja se reapropriasse de um
processo de discernimento baseado primeiramente no nível local.
Se
Francisco estiver certo e o Povo de Deus
realmente “sentir” – ou ter a “percepção” divina – para o que é certo e bom em
um bispo, então devemos descobrir em
jeito de incluí-lo de uma maneira mais plena no processo de seleção.
Da forma como se encontra
hoje, a nomeação dos bispos é, com demasiada frequência, o resultado de uma antiga rede de amigos para a promoção de pessoas de
dentro do clube clerical.
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