A reforma que Francisco quer para a Igreja
Os planos de Francisco para a reforma da Igreja
(Parte I)
Massimo
Faggioli*
Commonweal
28-09-2016
Já há sinais de que as coisas estão indo numa direção
ainda mais interessante, para além da redução de dicastérios curiais e da
criação de novos departamentos
SEMINÁRIO SOBRE A REFORMA DA IGREJA E AS REFORMAS NA IGREJA Promoção: Revista CIVILTÀ CATTOLICA (Jesuítas) Roma (Itália), setembro de 2015 |
Desde
o pontificado de Bento XVI, passando pelo conclave e entrando no papado de
Francisco, a reforma da Cúria e o comando da Igreja constituíram temas de
grandes debates. Então, o ano de 2015 passou sem um novo documento que
substituísse a constituição apostólica de João Paulo II de 1988, Pastor Bonus. Isso, porém, não
significou o fim diálogo: Papa Francisco continua a se reunir com o Conselho dos Cardeais assessores (o C9) a cada dois meses – em si uma
mudança substancial no modus operandi
do papado –, além de solicitar conselhos de especialistas na Cúria ao mesmo
tempo em que lança mão do Sínodo dos Bispos e das conferências episcopais nacionais
para comandar a Igreja de uma maneira diferente da de seus antecessores.
Já
há sinais de que as coisas estão indo numa direção ainda mais interessante,
para além da redução de dicastérios curiais (como a Congregação para a Doutrina da Fé) e da criação de novos
departamentos (como o dicastério para o desenvolvimento
humano integral e um outro, para os
leigos, a família e a vida, ambos anunciados em agosto deste ano).
Um primeiro sinal de
uma ampla renovação veio com a publicação, em setembro, de um volume com
mais de 600 páginas em italiano intitulado La riforma e le riforme nella chiesa
(A reforma da Igreja e as reformas na
Igreja, em tradução livre). Publicado pela Queriniana, uma das editoras de estudos teológicos mais importantes
da Europa, o volume é editado por dois dos assessores mais próximos a
Francisco: o teólogo argentino Carlos
María Galli e o editor da Civiltà
Cattolica, Antonio Spadaro,
padre jesuíta.
A obra reúne trinta
trabalhos
apresentados e discutidos num seminário especial, com duração de uma semana,
organizado pela Civiltà Cattolica e
realizado na sede histórica da revista jesuíta em Villa Malta, em Roma, no mês de setembro de 2015. Os autores e
autoras vêm de todos os continentes e incluem leigos/as e ordenados; quatro são
mulheres, e três são da América do Norte: John
O’Malley (da Universidade de Georgetown), Gilles Routhier (da Universitè Lavalm, de Quebec) e eu próprio, Massimo Faggioli.
Previsto
para ser lançado em inglês pela Paulist
Press no ano que vem, o livro está
dividido em sete partes:
1. a
renovação da Igreja à luz do Vaticano II;
2. o
que a história da Igreja tem a nos ensinar sobre reforma;
3.
comunhão sinodal e renovação do Povo de Deus;
4.
a reforma da Igreja nas igrejas locais e na Igreja universal;
5.
ecumenismo e reforma da Igreja;
6.
a partir de uma Igreja dos pobres, da fraternidade e inculturada; e
7. espiritualidade
e reforma da Igreja segundo o Evangelho.
No
geral, a obra propõe uma redescoberta do Vaticano II para o caminho da reforma
do catolicismo romano:
* uma Igreja mais descentralizada, pronta a transformar o papel e a
estrutura da Cúria Romana a fim de ser mais missionária;
* uma Igreja aberta a um debate sério sobre o papel da mulher na
Igreja; e
* uma Igreja em que o magistério interage com a teologia e com
a experiência vivida dos cristãos, onde a sinodalidade e a colegialidade não são empregadas para legitimar os
procedimentos da Igreja, mas para mudá-los, e onde a inculturação da fé é um agente de mudança da Igreja para além do
nível simbólico.
Em
sua maioria, os autores e autoras vêm do campo de pesquisa em história do
Vaticano II, sua eclesiologia e a virada ecumênica do catolicismo no – e depois
do – Vaticano II. Em certo sentido, o volume
é apenas um entre muitos exemplos de um novo papel para o Concílio Vaticano II
no Vaticano do Papa Francisco.
O
livro é importante por outros motivos também, a começar pelos autores
incluídos, que são representantes da obra teológica feita para apoiar o
pontificado de Francisco:
* Carlos María Galli (Argentina),
* Antonio Spadaro (Itália) e
* Víctor Manuel Fernández (Argentina),
por
exemplo, estão entre os mais próximos de
Francisco em suas atividades diárias.
Isso
é significativo, visto que, de certa forma, Francisco ainda trabalha à sombra
de Bento quando se trata de estender a mão a teólogos e acadêmicos católicos.
Além disso, a recepção de Francisco ainda é mais avaliada no nível
jornalístico, com a quantidade de análise teológica mais profunda sendo sequer
comparável à quantidade despendida no período de seu antecessor.
Uma
das leis não escritas da teologia católica no hemisfério norte – mesmo se falsa
– é que “a teologia alemã é teologia
católica, mas a teologia latino-americana é teologia latino-americana”. O
mesmo vale para as teologias católicas africanas e asiáticas: elas tendem a ser
consideradas teologias católicas regionais, não exatamente universais. Este volume é uma interpretação teológica
do – e uma contribuição ao – pontificado de Francisco, em parte por apresentar
propostas práticas para as reformas, em parte por fornecer um apoio às
consequências eclesiológicas da reorientação teológica incorporada por
Francisco.
O
que faz do livro uma leitura necessária
para os observadores do Vaticano e aos que querem compreender Francisco é o
fato de que o seu conteúdo circulou no
Vaticano e dentro do Conselho dos Cardeais de Francisco antes da publicação.
Sabemos disso porque Dom Marcello
Semeraro, secretário do C9 e o único membro da Cúria que integra o grupo,
cita por extenso passagens centrais em um ensaio recente sobre a reforma
católica como pensada pelo papa. Uma análise do plano detalhado de reforma delineado por Semeraro, que apareceu na
revista católica italiana Il Regno
uma semana depois da publicação do livro, será o cerne de meu próximo artigo na
revista Commonweal.
L I V R O
Título: La riforma e le
riforme nella Chiesa
Responsáveis: Antonio Spadaro;
Carlos María Galli (Editores)
Grupo de autores e
autoras que contribuiu para o livro:
Alphonse
Borras (Bélgica); Piero Coda (Itália); Mario de França Miranda, sj (Brasil);
Peter de Mey (Bélgica); Severino Dianich (Itália) Massimo Faggioli (Estados
Unidos); Joseph Famerée, sci (Bélgica) Diego Javier Fares, sj (Argentina); Víctor
Manuel Fernández (Argentina); José Mario C. Francisco, sj (Filipinas); Carlos
María Galli (Argentina); William Henn, ofm cap (Estados Unidos); Hervé Legrand,
op (França) Angelo Maffeis (Itália); Mary Melone, sfa (Itália); Serena Noceti
(Itália) John W. O’Malley, sj (Estados Unidos); Giancarlo Pani, sj (Itália);
Salvador Pié-Ninot (Espanha); Hermann J. Pottmeyer (Alemanha); Andrea Riccardi
(Itália); Gilles Routhier (Canadá); Léonard Santedi Kinkupu (Rep. Dem. do
Congo); Jorge A. Scampini, op (Argentina); Juan Carlos Scannone, sj (Argentina);
Silvia Scatena (Itália); Carlos Schickendantz (Chile); Antonio Spadaro, sj
(Itália); Dario Vitali (Itália); Myriam Wijlens (Holanda)
Coleção: “Biblioteca di
teologia contemporânea”, 177
Editora: Queriniana
(Brescia, Itália)
Data de publicação: Setembro de 2016
Data de publicação: Setembro de 2016
Páginas: 624
Preço de capa: Euro 53,00
Traduzido
do inglês por Isaque Gomes Correa.
Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.
* MASSIMO FAGGIOLI, professor de teologia e estudos religiosos
na Villanova University, na
Pensilvânia, Estados Unidos.
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