A terceira onda da recessão
Para a ONU, está a caminho a crise definitiva
Héctor G.
Barnés
Jornal “El
Confidencial” – Espanha
23-09-2016
Um relatório da Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento adverte sobre os problemas que pode
desencadear uma nova crise da dívida
MUITOS PAÍSES ESTÃO SE DESINDUSTRIALIZANDO Com isso, a produção diminui, a geração de riquezas também, bem como, a renda dos trabalhadores! |
Ainda
que pensávamos que a situação econômica havia melhorado e que os piores anos da
crise haviam ficado para trás, é
possível que o pior ainda esteja por vir. É o que sugere o demolidor novo relatório sobre comércio
publicado pelo principal órgão da Assembleia Geral da ONU, que adverte
sobre os perigos que pairam atrás da esquina. Assim como ocorreu em 2010, trata-se de uma crise da dívida, mas o
alcance pode ser muito maior, uma vez que atinge
um grande número de países em vias de desenvolvimento, cada vez mais
economicamente vulneráveis. [Brasil aí se inclui!
Leia o artigo abaixo deste.]
“Durante
os últimos anos, houve uma preocupação com a fragilidade financeira nas
economias emergentes, em razão de uma avalanche de fluxo financeiro e crédito barato
a partir de 2009, alimentado até um ponto considerável por programas de
expansão quantitativa nos países desenvolvidos”, destaca o relatório Trade
and Development Report 2016. “Os
sinais de alarma foram disparados há um tempo pela explosão da dívida corporativa
nas economias emergentes do mercado”.
Este
relatório chamou a atenção dos meios de comunicação globais. O editor de
economia do jornal The Telegraph, Ambrose Evans-Pritchard, explicava que “a terceira onda desta depressão global sem
remédio ainda está por vir”. A escala, desta vez, será muito maior que em
ocasiões anteriores (o caso Lehman Brothers ou Grécia é uma piada ao seu lado):
“Pode ser a crise definitiva do
capitalismo globalizado, o decesso
da ortodoxia do livre mercado liberal promovida durante os últimos 40 anos
pelas instituições de Bretton Woods, a OCDE e a fraternidade de Davos”. Não é
brincadeira.
AMBROSE EVANS-PRITCHARD Editor de Economia do jornal "The Telegraph" |
O
documento publicado pela UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
e Desenvolvimento, se submerge em um panorama global “frágil”, no qual as economias desenvolvidas se recuperam muito
mais lentamente que o esperado e o comércio
global se enfraqueceu, o que deteve o crescimento de muitos países pobres,
excessivamente dependentes do capital estrangeiro. “Na medida em que o capital começa a minar, há um verdadeiro
perigo de entrar em uma terceira fase da crise financeira que começou no
mercado imobiliário americano, em fins do ano 2007”. Já começou no Brasil, Rússia e África do Sul,
países à beira da recessão [o Brasil já está em recessão!],
nos quais pode se produzir “uma daninha
espiral deflacionária”.
O
relatório ressalta a armadilha econômica criada pela globalização, que acentuou
na última década, como a culpada. As
empresas privadas dos países em vias de desenvolvimento devem mais de 25
bilhões de dólares (em fins de 2008, o valor era de 9 bilhões), e a maior parte desta dívida provavelmente
nunca se pague. “Não se pode descartar uma daninha espiral deflacionária”,
acrescenta o documento.
“Nossa
experiência passada nos mostra que se
grande parte da dívida do setor privado é alta e está emitida em moeda
estrangeira, como na América Latina, termina nas contas de balanço públicos,
com o risco de uma crise de dívida
externa soberana”.
O
possível efeito contágio
Como
ocorre em uma economia globalizada, um espirro em um lugar do mundo pode acabar
contagiando o planeta de gripe. Só que neste caso, a julgar pelos termos
empregados no relatório, pode se tratar de uma enfermidade mortal. “O medíocre
rendimento dos países desenvolvidos, a partir da crise econômica de 2008-2009,
e a crise financeira vão durar, com o risco
adicionado que supõe a perda de estímulo aos países em vias de desenvolvimento,
durante os últimos anos, que será maior do que se pensava”, explica o
documento.
A
ameaça é clara: “Sem uma mudança de
direção neste aspecto, o ambiente externo enfrentado por estes países será
pior, com consequências potencialmente daninhas para sua prosperidade e
estabilidade a curto e médio prazo”. Não só para os países pobres e em
desenvolvimento, mas também em escala global: “Não se pode descartar um
contágio mais amplo pelos ‘choques’ imprevistos que golpeiam de maneira mais
forte o crescimento global”. O documento se refere explicitamente ao ‘brexit’, que provoca maremotos em uma
corrente já bastante turbulenta em si.
Como
recorda Evans-Pritchard, este cenário é a consequência previsível em países em
vias de desenvolvimento das medidas de estímulo nos Estados Unidos, Europa e
Japão: “Uma inundação de crédito barato que decompõe sua química e os conduz a
uma armadilha”. No entanto, apesar que se pensava que isso poderia ocorrer, não
se suspeitava que os efeitos fossem tão devastadores. O relatório é um puxão de orelhas em “uma cultura de
recompra de ações e uma incansável extração de benefícios” na qual os lucros
obtidos pelas empresas não são reinvestidos em postos de trabalho ou
crescimento sustentável. [É a financeirização da
economia mundial! Para saber mais sobre isso, clique aqui]
Contra
a economia ortodoxa
Se
o relatório resulta relevante, destaca o economista, é porque contradiz muitas das visões populares sobre
os benefícios da globalização, “aquelas que continuam sendo ensinadas em
universidades e escolas de negócios, há duas gerações”. A justificativa moral a
qual as nações desenvolvidas recorrem é que os investimentos estrangeiros
“melhoraram o padrão de vida de milhares de milhões de pessoas na Ásia”. No
entanto, o documento da ONU destaca que,
na realidade, esta relação econômica não funcionou em muitos países, que
enfrentam uma possível “desindustrialização
prematura”. [Esse é o caso do Brasil, também!]
Nos últimos anos, muitos
países viram como seu setor industrial se estagnava e deixava de produzir
postos de trabalho. É o que ocorreu na Índia, México e muitos países do sudeste asiático.
Ainda pior foi na África subsaariana,
onde o desenvolvimento das manufaturas parou inclusive antes da
industrialização do país. Mas, ainda
mais grave é a desindustrialização, acompanhada por uma queda da produtividade,
em países como América do Sul ou do norte da África, desde os anos 1980. Em
muitos casos, este processo está ligado a “drásticas mudanças para políticas
macroeconômicas mais restritivas e uma redução do investimento dos Estados para
apoiar as transformações estruturais”.
Nas
economias mais pobres, os benefícios das iniciativas para o alívio da dívida
dos anos 1990 e princípios dos anos 2000 e da rápida integração nos mercados
financeiros, após 2008, estão se evaporando rapidamente”, adverte o relatório. A situação mudou em apenas alguns anos,
quando a dívida emitida pelos países em vias de desenvolvimento em forma de
bônus parecia infinita (de 2 bilhões em 2009 para 18 bilhões em 2011). No
entanto, fatores como uma pior projeção
de crescimento fizeram com que seu financiamento saia muito mais caro.
Caso a economia global
enfraqueça ainda mais, “uma grande parte da dívida dos países em vias de
desenvolvimento, acumulada desde 2008, pode se tornar impagável e exercerá uma
considerável pressão sobre o sistema financeiro”. Além disso, o relatório
acrescenta que “caso isso ocorra, a comunidade internacional precisa se
preparar para renegociar as dívidas de uma maneira mais rápida, mais justa e
mais ordenada que a forma como fez até agora”.
Fonte: Instituto Humanitas
Unisinos – Notícias – Terça-feira, 27 de setembro de 2016 – Internet: clique aqui.
O risco das superendividadas
Editorial
Novo alerta: a crise bateu com força também nas grandes
empresas,
tornando-as menos capazes de pagar suas dívidas
MUITAS EMPRESAS DEVEM EM DÓLAR E TÊM DIFICULDADES DE RENEGOCIAR |
A
recuperação da economia só deve começar para valer no próximo ano, com uma
lenta retomada dos negócios. Muitas
companhias têm procurado renegociar os compromissos com os credores e nem todas
conseguem escapar dos pedidos de recuperação judicial. Com juros muito
altos, menor acesso ao crédito e receita deprimida pela recessão, as demissões e cortes de custos têm sido
insuficientes para restabelecer a segurança financeira. O risco de quebras
assombra tanto essas empresas quanto milhares de outras – principalmente
fornecedoras – dependentes da prosperidade das maiores companhias. Quando as maiores ficam sem fôlego
financeiro, surge o chamado risco sistêmico, porque qualquer desastre pode
espalhar-se facilmente em ondas de choque.
A
ameaça impõe um desafio tanto para o governo, empenhado em puxar o Brasil para
fora do atoleiro, como para os parlamentares. A estes cabe apreciar e votar boa
parte das medidas necessárias para as correções dos maiores desajustes, a
começar pelo desequilíbrio das contas públicas.
Um
levantamento sobre as dívidas de grandes empresas fez soar o novo alarme. As
dificuldades foram mostradas em recente relatório do Centro de Estudos do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais
(Cemec). Segundo análise das contas de 605
grandes firmas, a geração de caixa tem sido suficiente, em média, só para
cobrir 58% das despesas financeiras. Mal tem bastado, em muitos casos, para
os juros.
Ainda farto em 2013, o
crédito secou a partir do ano seguinte. O acesso ao financiamento internacional também
ficou mais difícil para muitas companhias, por causa do rebaixamento da nota
brasileira pelas principais agências de classificação de risco. Além disso, as
dívidas em moeda estrangeira cresceram com a desvalorização do real. O
financiamento externo poderá ficar ainda mais complicado se o Federal Reserve,
o banco central dos Estados Unidos, aumentar de novo os juros básicos. Essa
medida poderá ao mesmo tempo tornar o mercado menos acessível e provocar uma
nova alta do dólar, inflando mais uma vez a dívida empresarial.
O endividamento das
empresas, particularmente perigoso no caso das maiores, parece um bom argumento
a favor de um afrouxamento da política monetária, com redução dos juros
brasileiros ainda antes do fim do ano. Os dirigentes do Banco Central (BC) com certeza
percebem a conveniência de iniciar o
corte da taxa básica e de tomar quaisquer medidas necessárias para
estimular a oferta de crédito. Mas a primeira função do BC é cuidar da
estabilidade da moeda. O Comitê de Política Monetária, formado por dirigentes
do BC, terá de levar em conta pelo menos dois fatores – a inflação ainda alta e
as perspectivas de conserto das contas públicas.
OS VALORES SÃO ASSUSTADORES ! ! ! Só a Petrobras deve cerca de 400 bilhões de reais! |
O
segundo fator, neste momento, parece o mais problemático. Enquanto houver grande incerteza sobre a recuperação do Orçamento nos
próximos dois anos, ninguém poderá apostar com alguma segurança num firme
declínio da inflação. Mas o conserto das finanças públicas depende apenas
em parte do Executivo. O primeiro grande passo para a implementação do ajuste
deve ser a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241. Essa
proposta fixa um teto para elevação do gasto público e fornece ao governo um
apoio preciso para a restauração gradativa da disciplina fiscal.
Se
os parlamentares forem capazes de entender e de assumir sua responsabilidade na
reconstrução da economia, tratarão de aprovar com rapidez aquela PEC e todas as
medidas necessárias para a melhora das contas públicas. Isso facilitará o
começo da redução dos juros, do reequilíbrio financeiro das empresas e da
retomada do crescimento. Se as grandes
companhias puderem ganhar algum fôlego, o Brasil já será poupado de sérios
problemas e, talvez, de um novo mergulho na crise. Fará a coisa certa quem
estiver mais interessado no País que nas conveniências pessoais ou partidárias.
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