Debate sobre a formação do clero católico
Deslocar seminaristas levanta o debate sobre a
formação do futuro clero
Robert Mickens
National
Catholic Reporter
02-09-2016
Apesar de muitas pessoas terem interesse no atual
sistema de
formação de sacerdotes, uma radical mudança precisa
acontecer
DIARMUID MARTIN Arcebispo de Dublin, na Irlanda |
Todos
os caminhos levam a Roma.
E
um caminho em particular – na verdade, um trajeto aéreo do Aeroporto John
Kennedy, em Nova York, para o Aeroporto Leonardo da Vinci (Fiumicino) em Roma –
me trouxe aqui a exatamente 30 anos atrás.
Era
o dia 30 de agosto de 1986. (Desde então estou aqui, após eu ter vivido um ano
na Suíça e passado seis meses nos Estados Unidos.)
Essa
data é fácil lembrar porque, no dia anterior, quando eu e outros 35
seminaristas americanos partimos em direção à Cidade Eterna, celebrava-se a
festa litúrgica da Decapitação de João Batista.
Por
vezes, em momentos inesperados de altos e baixos nos primeiros meses
principalmente, nós nos perguntávamos se tal data não era algum tipo de
presságio.
Mais tarde ficou claro que,
de fato, muitas pessoas perderam a cabeça (pelo menos de modo figurativo) nessa antiga cidade de santos e pecadores.
Em tempo, também aprendemos que Roma é
um lugar onde alguns perdem a fé.
Em
nosso próprio mundo rarefeito, vivendo
no Pontifício Colégio Norte-Americano e frequentando uma das pontifícias
universidades da cidade, veríamos alguns do nosso grupo se agarrarem com
mais tenacidade às vacas sagradas, coisas que eles acabaram confundindo com a crença
católica.
Mas
a maioria de nós iria sucumbir dolorosamente à experiência impotente e muitas
vezes solitária de ver ídolos piedosos
desmoronar diante de nós. E isso abriria a possibilidade de ou embarcar em
uma jornada mais profunda da fé cristã marcada pela responsabilidade pessoal e
por um discernimento cuidadoso, ou buscar refúgio em uma instituição eclesial regrada onde se finge que tudo é preto e
branco.
O Papa Francisco me fez
recordar estas ideias após algumas observações que fez a respeito da formação
sacerdotal
enquanto falava em privado no mês passado na Polônia com um grupo de
companheiros jesuítas.
“Igreja precisa, hoje,
crescer na capacidade de discernimento espiritual”, disse ele aos cerca de
trinta confrades em 30 de julho.
“Alguns
planos de formação sacerdotal correm o risco de apresentar ideias demasiado
claras e distintas”, com limites e
critérios “que são definidos a priori, rigidamente (...) e que põem de lado as
situações concretas”, continuou o papa.
“É preciso verdadeiramente perceber isto: na
vida nem tudo é preto ou branco. Não, na vida prevalecem os tons de cinza.
(…) Por isso, é preciso compreender
estes aspectos onde as coisas não são claras”, concluiu Francisco.
Eu
gostaria apenas de salientar algumas poucas questões que estes comentários
fazem surgir em mim à luz da experiência
de ter vivido em Roma, e especialmente em seu ambiente eclesiástico, nas
últimas três décadas. Para isso, irei considerar alguns eventos recentes que
envolvem a formação de jovens seminaristas.
O
primeiro pensamento que destaco diz respeito ao atual método ou sistema de preparar membros da religião cristã para
serem presbíteros (isto é, sacerdotes ordenados). O segundo tem a ver com a adequação de levar a cabo tal preparação
(formação sacerdotal) em Roma.
Recentemente,
Dom Diarmuid Martin, [arcebispo] de
Dublin, foi motivo de manchetes quando declarou
que estava retirando os seus seminaristas que estudavam no seminário nacional
do país, o St. Patrick’s College, em Maynooth, Irlanda [veja foto abaixo], e mandando-os para o Pontifício Seminário Irlandês, em Roma.
SAINT PATRICK'S COLLEGE - SEMINÁRIO NACIONAL DA IRLANDA Maynooth - Irlanda |
Segundo
falou, ele estava fazendo isto em decorrência do que vinha ocorrendo em
Maynooth, coisas aparentemente ligadas a acusações anônimas de comportamento e
intrigas impróprias envolvendo homossexualidade, o que incluía o uso, de parte
de alguns estudantes, do aplicativo de celular Grindr, para encontros entre pessoas do mesmo sexo.
Os outros bispos da Irlanda ficaram surpresos
e quase todos comprometeram-se em manter seus alunos estudando no seminário
nacional.
Isso
não impediu o conselho administrativo do seminário de aplicar imediatamente um
“curativo” para consertar o suposto problema: os seminaristas terão agora que
fazer suas refeições noturnas na companhia de seus superiores, ao invés de
jantar fora; deverão também participar de uma recitação comunitária do rosário
às 21 horas.
Os
administradores do Maynooth devem
achar que os seminaristas são capazes de
agir em seus desejos sexuais somente à noite e que quaisquer ações podem ser
impedidas com um monitoramento cuidadoso dos jovens e mantendo-os reclusos
no prédio.
Na
verdade, não acho que eles pensam isso.
Mas suspeito que Martin acabou envergonhando-os com a sua decisão abrupta e
drástica, de forma que os fez se sentirem obrigados a tomarem uma atitude.
Suspeito
que o arcebispo de Dublin, alguém que passou a maior parte de sua vida
sacerdotal em um escritório no Vaticano, não está feliz em mandar os seus
seminaristas a Roma. Pelo contrário, ele considera essa atitude a única forma
de incitar uma discussão mais importante e urgente a respeito da natureza da
formação sacerdotal.
Ele
já começou a falar sobre a possibilidade de criar um modelo de aprendizagem de
preparação de futuros padres onde os
candidatos morariam em paróquias ou em outros ambientes – em vez de seminários,
que ainda estão modelados segundo uma programação monástica e de reclusão –
enquanto estudam em universidades locais. [A busca
por novos modelos de formação dos futuros padres]
Martin
terá dado uma contribuição fundamental à Igreja caso este tipo de modelo venha
a ser estudado com mais cuidado e se levar a uma reforma em grande escala do atual sistema de formação sacerdotal (até
mesmo deixando de lado outras questões cruciais como o sacerdócio restrito a
homens e o celibato obrigatório). Existem muitas maneiras de como estas coisas
poderiam ser desenvolvidas.
Será uma batalha, no entanto. Muitas pessoas têm interesses em torno do
atual status quo. Os seminários tradicionais precisariam redefinir suas
missões (como alguns já começaram a fazer) ou fechariam, mesmo se forem
considerados necessários como centros de discernimento ou formação espiritual –
à semelhança dos programas de noviciado existentes nas ordens religiosas.
E quanto a mandar seminaristas para se preparar em Roma?
Não
pareceria oportuno se a ideia – conforme deixa claro o Papa Francisco – é
evitar dar-lhes “ideias demasiado claras e distintas” e “limites e critérios
que são definidos a priori, rigidamente, (…) que põem de lado as situações
concretas” nas quais eles estarão ministrando. Os seminaristas deveriam se preparar na – e para a – cultura e lugar
onde irão atuar. Os estudos no exterior poderiam ser melhor empreendidos
após alguns anos ordenação e serviço local. [Somente
para pós-graduação: mestrado e doutorado, por exemplo]
É
por isso que considero ainda mais alarmante que o seminário St. John Vianney College, em St. Paul, Minnesota [ver voto abaixo], esteja enviando 15 de seus
alunos para morar e estudar no Pontifício
Colégio Irlandês. O St. John Vianney é o seminário preparatório de teologia
para a Arquidiocese de St. Paul-Minneapolis, mas forma seminaristas de 19
dioceses norte-americanas.
SAINT JOHN VIANNEY COLLEGE Saint Paul (Minnesota - Estados Unidos) |
Anteriormente,
estes seminaristas tinham a opção de estudar um semestre em Roma, mas com
estudantes leigos no Campus Bernardi
da Universidade de São Tomás, onde
normalmente estudam. A mudança parece buscar manter os candidatos ao ministério
sacerdotal separados de outros fiéis batizados que não estão em fase de
discernimento espiritual. Este movimento
é pensado para “proteger” uma vocação incipiente, mas também tem servido para
formar atitudes de pertencimento a uma casta separada, clerical. [Aliás, papa Francisco tem insistido muito sobre o perigo do
clericalismo!]
Simplificando:
este é o modelo que foi confirmado por
João Paulo II em sua exortação apostólica pós-sinodal de 1992, Dabo Pastores Vobis, e que teve continuidade com Bento XVI.
Mas
Dom Diarmuid Martin, intencionalmente ou não, pode ter desferido o primeiro
golpe a esta prática inadequada e
ultrapassada, que não está conseguindo produzir padres eficientes para as
necessidades e a missão da Igreja. Ironicamente, talvez, ele inspirou o esforço
de percorrer um trajeto que, mais uma vez, leva à Roma.
Traduzido do inglês por Isaque Gomes Correa. Acesse a versão original do artigo, clicando aqui.
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