A sonegação fiscal destrói o Brasil
Marcos de
Aguiar Villas-Bôas*
O fato é que 100 bilhões de reais em tributos sonegados
todo ano, um valor crível, ainda que não completamente suficiente, seriam
cruciais para tirar o Brasil da crise fiscal e solucionar boa parte dos
problemas de infraestrutura por meio de investimento público
A sonegação de tributos tem a proeza de,
ao mesmo tempo, destruir a situação fiscal de um país e aumentar muito a desigualdade, levando a problemas econômicos
variados.
O
número da sonegação normalmente apresentado pela Procuradoria da Fazenda
Nacional está entre 400 e 500 bilhões de reais. Recentemente vem se falando em 900 bilhões de reais. [Sim!!! É uma loucura! Parece, até, um número surreal!]
Estudos
divulgados no exterior em relação a países em desenvolvimento mencionam outro
problema, mas correlacionado: um fluxo
anual de 900 bilhões de dólares de capital ilícito para o exterior decorrente
de corrupção, propinas, tráfico de drogas etc.
Independentemente
do número exato, o fato é que 100
bilhões de reais em tributos sonegados todo ano, um valor crível, ainda que não
completamente suficiente, seriam cruciais para tirar o Brasil da crise fiscal e
solucionar boa parte dos problemas de infraestrutura por meio de investimento
público.
É muito difícil calcular a
sonegação,
pois é preciso separá-la do que é planejamento tributário e do que é
simplesmente discordância de interpretação. Cada problema deve ser atacado de
uma forma específica.
O
fisco brasileiro faz, por exemplo, pouca ideia de quanto representaria o valor
somado de sonegação de cada uma das muitas milhares de pequenas empresas, boa
parte delas sequer fiscalizada, pois a
tributação, assim como o País, é muito extensa e complicada. Não é possível
resolver o problema da extensão, mas o da tributação sim, sem dúvida.
Como
o processo tributário brasileiro leva anos a fio, muito dinheiro a receber dos contribuintes fica nele represado,
especialmente no Judiciário, de modo que esse problema se soma ao da
sonegação para afundar a arrecadação.
Soluções
para o combate à sonegação
Uma primeira necessidade
evidente da política tributária brasileira é simplificar o sistema, reduzindo
tributos e obrigações acessórias. [Aqui, sem dúvida, está
uma das chaves da solução! Incrível como se fala disso há muito tempo, mas
medidas concretas não se efetivam!]
Uma segunda necessidade é a
reforma tanto dos fiscos e dos órgãos administrativos quanto do Judiciário. Os órgãos administrativos
paritários de julgamento, modelo não encontrado em nenhum outro país do mundo,
precisam ser todos reformulados com urgência, pois são seios de corrupção e de
julgamentos sem imparcialidade.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf), alvo da Operação Zelotes da Polícia Federal, que teve mais um
conselheiro preso alguns meses atrás e cuja Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi encerrada sem qualquer
consequência por pressão de grandes empresários, é o exemplo mais evidente
de ineficiência, parcialidade e corrupção. Precisa de intervenção urgente.
Tão ou mais grave, no
entanto, é o tratamento que se dá aos sonegadores no Brasil, que não correm o
risco de serem presos, pois basta pagarem os valores sonegados após o crime ser
descoberto.
É como se um ladrão de banco, após ser pego, ficasse livre por devolver o
dinheiro. É inexplicável. [Sem dúvida!!! Simplesmente,
não há o que dizer a não ser que aqui o crime de sonegação compensa, e muito!!!]
A
impunidade estimula a sonegação de impostos
Conforme
demonstrado por um histórico das leis em texto anterior, isso acontece,
sobretudo, porque o legislador
brasileiro nunca se interessou em punir de forma séria e severa a sonegação.
Além de extinguir a punibilidade do crime pelo pagamento, é possível
suspendê-la ao longo do processo administrativo e por outros meios.
Ademais,
a pena de 2 a 5 anos de prisão, quase
nunca aplicada, não permite condenação em regime fechado se o réu for primário.
Assim, aquele que arromba a porta de alguém e furta um bem no valor de 100
reais está sujeito a pena de 2 a 8 anos, mas
aquele que sonega 100 milhões de reais está sujeito a pena de 2 a 5 anos, sendo
que, se pagar, fica livre. [Pode?!]
Além
de acabar com a possibilidade de extinguir a punição pelo pagamento dos
tributos, é preciso elevar a pena máxima
do crime para pelo menos 8 anos, que permite a prisão em regime fechado mesmo
do réu primário. Na Alemanha, por exemplo, a pena máxima é 10 anos.
Não
é preciso ser um grande especialista para concluir que, se não há punição criminal, o ilícito deixa de ser visto pela sociedade
como crime. Daí porque, se quase
todo mundo sonega e se ninguém é preso, por que alguém vai pagar tributo no
Brasil? Como se sabe, o senso social e de cumprimento de regras não é
exatamente o forte do brasileiro.
Se
o risco de sonegar tributos, ficando com muito mais dinheiro, é apenas
financeiro e há chance de o fisco sequer perceber isso dentro do prazo de cinco
anos, os incentivos para que se sonegue são muito maiores. Após os cinco anos,
passada a exigibilidade do tributo, também não há punibilidade do crime.
De
quebra, o Estado acostumou mal o cidadão
com programas de pagamento de débitos tributários com anistias consideráveis de
multas e juros (ex. Refis). Se é possível sonegar sem ser preso; se
há chances de não ser pego; e, se pego, ainda é possível pagar os tributos
sonegados quase sem multa e juros; para que alguém vai pagar tributos no prazo?
Estudos
estrangeiros (em PDF) variados demonstram que, sem punição adequada, a tendência é que se sonegue muito mais,
especialmente em países nos quais o retorno dado pelo Estado é considerado
pequeno.
A
tributação brasileira, de cima a baixo, é um conjunto de impropérios baseados
em visões de extremo curto prazo, desinformadas e focadas no benefício das
elites. O tratamento brando com a
sonegação é uma forma de o Estado permitir que o mais rico não pague muitos
tributos, afundando em regressividade um sistema que já é regressivo pelo
seu próprio desenho. Está tudo errado. É um caos.
Os
países desenvolvidos estão avançando com regras complexas de transparência
financeira, cooperação internacional etc., mas o Brasil não consegue fazer o seu mínimo dever de casa para obrigar
quem deve a pagar os tributos. Em vez disso, segue o caminho mais fácil,
apesar de grosseiro e provado errado ao longo da história, cortando despesas
que ajudam a reduzir a desigualdade.
No Brasil são os trabalhadores e funcionários que
pagam mais impostos
A sonegação acontece em mais
de 90% por aqueles que estão entre os 10% mais ricos do País, sobretudo pelo 1%. Bem mais da metade da
população é de crianças, adolescentes e outros sem renda, juntamente com os
beneficiados pelo Bolsa Família e recebedores do salário mínimo.
Os empregados e servidores
públicos, com qualquer remuneração, têm seu imposto retido na fonte, apesar das inúmeras
artimanhas usadas para pagar valores extras sem tributação, sobretudo no caso
dos que ganham mais, como amplamente tem se noticiado em relação aos juízes.
Por
conta da isenção dos dividendos, muitos criam empresas para receberem
remuneração tributada como pessoa jurídica no regime favorecido do Simples e
depois distribuir dividendos sem tributação.
Deste
modo, os erros grosseiros do Brasil no trato da sonegação e no próprio desenho
da tributação causam um resultado caótico não somente para os cofres, como para
a distribuição de riqueza e renda, provocando uma imensa desigualdade
socioeconômica, que se traduz em falta de demanda agregada, em pobreza e,
portanto, em pouca produtividade e violência.
É
curioso que, no Brasil, apesar da
gravidade do tema da sonegação, praticamente não se escreva sobre ele. Ela é
tão alta que distorce completamente o número da carga tributária. Se
houvesse sonegação menor, seria possível perceber que a carga brasileira é
muito maior, porém não se consegue arrecadar porque as políticas são todas mal
desenhadas.
Com
uma sonegação menor, além de, como dito, resolver o déficit fiscal e investir,
seria possível reduzir tributos sobre o consumo, diminuindo a regressividade da
tributação e o valor de bens e serviços, fazendo o acesso ao consumo mais
fácil, o que geraria crescimento.
Quando
se estuda com seriedade as melhores teorias e práticas internacionais,
percebe-se que os problemas brasileiros são, em sua maioria, muito claros e
alguns até fáceis de resolver.
O
problema é que boa parte da elite econômica e política brasileira é gananciosa,
“curto prazista” e completamente cega por ideologias fajutas, como a
neoliberal, o que prejudica a ela mesma. Termina trocando o desenvolvimento
brasileiro pela sua ânsia de se beneficiar em curto prazo, gerando inúmeros
malefícios para si. É preciso salvar a
elite brasileira dela própria.
*
Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela Pontifícia Universidade Católica de S.
Paulo (PUC-SP), mestre pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA), conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology.
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