Em defesa da democracia
O amanhecer da democracia
Murillo de
Aragão*
Ainda é cedo para desistir dela. O jogo está apenas
começando
Existe em todo o mundo um
grande mal-estar com a democracia. Seu fracasso é proclamado todos os dias. Eventos como o Brexit, no Reino Unido, e a ascensão de
Donald Trump à presidência dos Estados
Unidos da América (EUA), além da onda de
xenofobia na Europa e na América, são proclamados como indícios de que o
sistema está em crise.
Sem
dúvida, existe um mal-estar. Existe uma crise. Mas a crise, como o mal-estar, é inerente à democracia. Uma vez que
a democracia deve arbitrar decisões que
agradam e desagradam, o mal-estar sempre estará posto. Ao arbitrar em
desfavor das minorias, a democracia gera desconforto. Gera tensões e crises.
No
processo de desagradar apresenta-se uma grave dicotomia. Muitas vezes os descontentes não se acalmam. Buscam por meios
democráticos, ou nem tanto, expor seu descontentamento. A situação se complica
quando segmentos que, embora não majoritários, têm acesso privilegiado à mídia
e ganham maior exposição para seus argumentos do que a maioria.
Muitas vezes há uma
superrepresentação de determinadas posições. A exacerbação de críticas visando a apontar
a falência do modelo é um dos caminhos. Já quando existe convergência com o
governo, tudo corre bem. O ex-presidente Lula viveu um momento especial de
conjunção de expectativas positivas, com as esquerdas contentes, o sistema
financeiro confiante, trabalhadores felizes, mídia próspera (incluída aquela
sem leitores e telespectadores) e os pobres ganhando renda.
Mas
quando o governo se depara com uma oposição que, mesmo sendo politicamente
minoritária, é “midiaticamente” predominante, criam-se graves impasses, que
devem ser resolvidos pelo líder. Pois se estabelece outro paradoxo. Apesar de o
ideal da democracia buscar a força das instituições, suas contradições
extrapolam a dependência de lideranças pessoais fortes. Os EUA precisaram de Roosevelt. Churchill salvou o mundo do nazismo.
No Brasil a situação é mais
séria. O mal-estar é agravado pelo grave problema de representação. A elite não considera
adequada, e com razão, a representação política no País. A tensão natural é
agravada pelo fato de os mecanismos
tradicionais de representação não serem considerados válidos. Em especial,
caso o desempenho da política desagrade às elites. A maioria, no entanto, é a
vontade soberana da democracia. E,
contrariando ou não o senso comum e o bom-mocismo, a vontade da maioria deve
prevalecer. É o contrato. Vale o que está escrito.
Minha
peroração, até aqui, não explica a crise da democracia. Pelo simples fato de
que considero a crise inerente ao
processo democrático. Não é uma questão episódica. A democracia existe para arbitrar conflitos e lidar com crises.
Decerto, sem crises não teremos um regime plenamente democrático. Pois a democracia
pressupõe a existência de diferenças e da prevalência da vontade da maioria.
A gênese da crise está no fato de que dificilmente o regime obterá unanimidade.
Em sendo assim, o desconforto dos descontentes estará sempre presente. Faz
parte do jogo.
Logo,
não devemos reconhecer a crise da
democracia como uma excepcionalidade ou sinal de fracasso, mas aceitar que é
inerente ao processo. E que precisamos buscar o aperfeiçoamento desse
processo. Sem crise temos simulacros de
democracia ou um regime autoritário. A crise deve nos impulsionar.
Questões
como a xenofobia são parte das crises inerentes à democracia. Mas, sobretudo,
decorrem da decepção dos governantes em lidar com os desafios que se
apresentam. Até em lidar com suas fraquezas e incompetências. Sabe-se que no fracasso dos liberais há uma
tendência a buscar no fundamentalismo a solução.
Já quando as coisas andam bem, o fundamentalismo é relegado a plano inferior. [Isso é bem perceptível no Brasil no momento atual! Estão
surgindo vários tipos de fundamentalismos: político, religioso, social etc. Mas
o fundamentalismo é uma falsa solução para os nossos dilemas!]
DAVID CAMERON - Primeiro-Ministro Britânico na época e DILMA ROUSSEFF - Presidente da República do Brasil |
Nos picos de crise as
lideranças são testadas. Caso a ex-presidente Dilma Rousseff tivesse ouvido vozes sensatas,
ter-se-ia salvado do impeachment. Se
o ex-primeiro-ministro David Cameron tivesse ouvido vozes sensatas, não teria
provocado o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. Ambos
foram líderes fracos e incompetentes. Assim como a Europa, por exemplo, se
apresenta de forma pouco competente para lidar com o desafio dos refugiados do
Oriente Médio.
Não devemos condenar a
democracia.
Nem acreditar que ela nunca funcionará de modo adequado por causa de suas
deficiências ou pela fragilidade do líder de plantão. Por outro lado, é uma expectativa falsa crer que a
democracia vá funcionar perfeitamente. Mas, sem dúvida, o processo em que ela se realiza pode ser bastante
aperfeiçoado. E, nesse sentido, estamos na infância da democracia.
Por
conseguinte, o processo de crescimento
da democracia apresenta imensos problemas, tais como:
* a representação
desequilibrada,
* o processo eleitoral
desregulado,
* um Legislativo pouco
funcional,
* a hipertrofia do Poder
Executivo,
* a bagunça partidária,
* o ativismo judiciário,
* além da influência nefasta
da criminalidade organizada, do terrorismo, da corrupção e do corporativismo
exacerbado do funcionalismo, entre outros.
No
entanto, a evolução e as inovações estão
nos provocando todos os dias. Temos as redes sociais e a maior e mais ampla
circulação de informação da História da humanidade. A mídia já não está
controlada por poucos. A telefonia celular expande, impressionantemente, a
capacidade de interação dos indivíduos. A maior participação da mulher caminha
para ser predominante e modificar as agendas.
A
judicialização da política, em especial no Brasil, também será decisiva em
nossos aperfeiçoamentos. E ainda teremos fatores externos, como a globalização
e a transnacionalização do combate à corrupção, impulsionando a qualidade da
política.
Tudo
o que mencionei já está sendo decisivo para o aperfeiçoamento da democracia nos
próximos anos. Se olharmos para trás,
veremos que estamos no amanhecer da democracia. Ainda é cedo para desistir.
O jogo está apenas começando.
*
MURILLO DE ARAGÃO é advogado, consultor, mestre em
Ciência Política, doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB);
autor do livro “Reforma Política – o debate inadiável” (Ed. Civilização
Brasileira, 2014).
UMA ADVERTÊNCIA AO
BRASIL
A lição de Trump para o nosso país
João Domingos
Quem convencer o eleitor de que vai devolver o emprego
sai em vantagem
DONALD JOHN TRUMP |
Todo partido e todo aquele
que estiver planejando disputar a Presidência em 2018, e até os que dizem que não
estão pensando nisso, como tem reiterado o presidente Michel Temer, devem levar em conta a eleição de Donald
Trump nos Estados Unidos.
Não
que o Brasil vá pender para a direita, quando se pensa nas disputas do campo
político, o que assanha o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Ou que, em reação à
eleição de Trump, dará uma guinada rumo à defesa de bandeiras modernas, baseadas
no desenvolvimento sustentável, como pensam alguns sonháticos. Ou até que
garantirá a eleição do ex-ministro Joaquim Barbosa, agora independente, livre,
leve e solto, para fazer o que quiser, como ele mesmo diz.
O
que a eleição de Donald Trump deixa para partidos e indivíduos no Brasil, hoje
engajados ou não na política, deve ser buscada no recado que o republicano conseguiu passar para o eleitor, o de alguém
capaz de tirá-lo da situação em que se encontra, resgatar-lhe a autoestima, não
importando o tipo de diatribe que fala.
Ninguém deve duvidar de que
a sociedade brasileira começou a mostrar em 2013 um comportamento diferente do
que vinha adotando, quando ocupou as ruas e iniciou uma série de protestos, puxados pelo grito contra
o aumento de R$ 0,20 no preço da passagem de ônibus. Depois a manifestação
cresceu e chegou aos serviços públicos: saúde, educação, transporte e segurança
pública. Logo passou a condenar os gastos excessivos com os estádios da Copa da
Fifa de 2014 e contra certas atitudes do Congresso, obrigando a Câmara a retirar da pauta a emenda constitucional que
reduzia poderes do Ministério Público para tocar investigações. Esse recuo
permitiu, por exemplo, que o Ministério Público montasse, com a Polícia
Federal, a força-tarefa da Operação Lava Jato. Força-tarefa que descobriu o que
descobriu.
Como
se vê, os protestos tinham os mais variados alvos. As lideranças eram difusas,
o que causou perplexidade nos políticos tradicionais. Pensadores mais à
esquerda acham que foi naquele momento que movimentos de direita – de novo, a
mesma badalada história – começaram a ficar hegemônicos nas ruas, o que
resultaria no apoio de milhões ao impeachment
de Dilma Rousseff em 2016.
Como o brasileiro, o eleitor
dos Estados Unidos vem de uma crise gravíssima na área do emprego. Trump conseguiu dizer a
essas pessoas que devolveria o trabalho a elas, e que poderiam voltar a bater
no peito e dizer que eram norte-americanos.
O que o eleitor brasileiro
tem dito desde 2013, escancarado agora em 2016, é que ele não está nem aí para
a questão do discurso ideológico. O que as manifestações de três anos e pouco e o
resultado das urnas nas eleições municipais deixaram claro é que o eleitor quer do candidato que ele dê um
jeito de melhorar a sua vida. Cansou-se de ruas bloqueadas por minorias que
põem fogo em pneus, do caos na educação, saúde, transporte, segurança e tantos
outros serviços. Em suma, o eleitor
cansou de ser maltratado. [E parece que o conjunto
da classe política, mesmo a dita “esquerda”, ainda não percebeu isso! Nisso
mora o perigo! Se não houver compreensão e sensibilidade para aquilo que o povo
deseja, corremos o risco e um “Trump” à brasileira!]
Para um País que tem 12
milhões de desempregados, com projeção de que cheguem a
14 milhões, aquele que fizer um discurso convincente sobre a devolução do
emprego que arrasa com qualquer família, e oferecer alguma melhoria nos
serviços públicos, tem tudo para ganhar a eleição. Não interessa se é João ou
se é José. Se pertence a um grande partido ou a uma legenda insignificante.
Não
é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste a todo instante
que o PSDB precisa recuperar o “social” do nome. Se não recuperar, não adianta
ter um caminhão de bons candidatos. É só
aparecer um Trump tropical por aí, com a promessa de que vai melhorar alguma
coisa para o cidadão, que leva.
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