O Planeta sob risco!
Acordo de Paris entra em vigor.
Desafio agora é ampliá-lo
Giovana
Girardi
Texto foi assinado por 94 países, mas ONU vê
necessidade
de corte adicional nas metas
O Acordo de Paris para o combate às mudanças
climáticas entra nesta sexta-feira (4 de novembro) em vigor em tempo recorde,
menos de um ano depois de ter sido fechado na capital francesa por 195 países, com o desafio de acelerar e incrementar
suas ações a fim de evitar os piores impactos do aquecimento global.
A
rapidez na adoção, até ontem, por 94 países, cria um momento de empolgação
diante de um problema complexo. As
emissões de gases de efeito estufa precisam cair drasticamente, mas continuam
subindo, enquanto o planeta está cada vez mais quente – a expectativa é que
2016 vai bater o recorde, pelo terceiro ano seguido, como o mais quente desde o
início dos registros.
Por
outro lado, novos cálculos confirmam que as chamadas NDCs (Contribuições
Nacionalmente Determinadas) – nome técnico dos compromissos que cada país
ofereceu como contribuição ao acordo –, ao serem somadas, ficam bem aquém do necessário para limitar o aquecimento do planeta a
menos de 2°C até o final do século. Estão mais distantes ainda do 1,5°C,
valor mais desejado para evitar danos aos países mais sensíveis à mudança do
clima.
O Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma) fez nesta quinta o
alerta de que o mundo só vai alcançar a meta dos 2°C se fizer um corte
adicional de 25% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 em relação
ao que já estava previsto para ser reduzido.
O
dado consta do Gap Report, relatório que todo ano mede a lacuna entre as ações
que a humanidade está tomando para diminuir a quantidade de gases que é lançada
na atmosfera e o quanto de fato precisaria estar sendo feito para limitar o
aquecimento.
Pela conta, em 2030 todos os
países juntos deveriam emitir no máximo 42 gigatoneladas de CO2 equivalente (a soma de todos os gases
de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono), mas considerando o ritmo de ações atuais e os compromissos
assumidos pelos países junto ao Acordo de Paris, a emissão do mundo estará entre 54 e 56 gigatoneladas. Com isso, o
planeta fica no rumo de aquecer entre 2,9°C a 3,4°C até 2100, na comparação com
níveis de antes da Revolução Industrial.
A
rápida entrada em vigor do acordo passa um sinal claro aos países que ainda não
o ratificaram, e também a empresas, mercado financeiro e setores que de algum
modo estão ligados ao problema, que o mundo está comprometido a resolvê-lo. A expectativa
é que também acelere as ações justamente para fazer essa conta fechar.
“É
um momento para celebrar. E também de olhar para frente com vontade renovada
para a tarefa que temos adiante. Em
curto tempo – e certamente nos próximos 15 anos – precisamos ver reduções sem
precedentes nas emissões de gases de efeito estufa e esforços inigualáveis para
construir sociedades que possam resistir aos crescentes impactos climáticos”,
afirmam Patricia Espinosa, secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, e
Salaheddine Mezouar, ministro das relações internacionais do Marrocos e
presidente da conferência do Clima de Marrakesh.
Em
artigo que será divulgado nesta sexta, eles lembram que as emissões ainda não estão caindo, “fato de deve estar à frente das
preocupações no encontro de Marrakesh” para ser coletivamente resolvido.
MARRAKESH
A
partir da próxima segunda-feira, a cidade vai sediar a 22.ª Conferência do Clima da ONU, que terá a missão de dar o pontapé inicial nesse processo. Será a primeira
oportunidade para as partes que já ratificaram o Acordo de Paris a começarem a decidir como se dará sua
implementação. Desse grupo fazem parte os dois maiores emissores do planeta –
China e Estados Unidos – e também pesos-pesados nessa discussão, como Índia,
União Europeia e Brasil.
Na
prática, porém, a entrada em vigor, comemorada como um arroubo de vontade
política até então inédita nas negociações de clima – principalmente quando
Estados Unidos e China resolveram tomar a dianteira desse processo –, não
significa que imediatamente os países começarão a adotar novas medidas para
cumprir suas metas de redução de emissões.
O acordo passa agora por um
processo burocrático para definir algumas regras do jogo e só então torná-lo de
fato operacional. É preciso definir, por exemplo, o conjunto de informações que os
países terão de apresentar quando forem comunicar suas NDCs; qual será o
mecanismo de contabilidade de avanços; como se dará o mecanismo de mercado e de
financiamento (Veja propostas brasileiras para a negociação, clicando aqui).
A
verdade, afirma o embaixador José
Antonio Marcondes de Carvalho, negociador-chefe da delegação brasileira, é
que não se esperava que o acordo entraria em vigor tão rápido. Quando foi
fechado, em dezembro do ano passado, se considerava que isso só ocorreria em
2020.
“A
entrada em vigor marca um momento político favorável e demonstra consenso da comunidade internacional sobre
a urgência de ações que devem ser tomadas para combater a mudança do clima”,
disse ontem em coletiva à imprensa. Mas não quer dizer que a pressa não foi
importante, ressalta. Segundo ele, isso vai acelerar os trabalhos de
implementação.
Ao
mesmo tempo, diz, é preciso ter uma solução para ações anteriores a 2020, que
também estão previstas no Acordo de Paris.
Isso
porque quase todos os compromissos que os países apresentaram para o acordo têm
como ponto de partida o ano de 2020, para serem cumpridas até 2025 ou 2030. Mas
o texto também estabeleceu que antes disso outras ações, ainda a serem
definidas, têm de ser feitas, como incrementar compromissos anteriores,
voluntários, que foram apresentados em 2009, na COP de Copenhague. “Não temos tempo a perder”, afirmou o
embaixador.
RESPONSABILIDADE
Para
Carlos Rittl, secretário executivo
do Observatório do Clima, o principal ganho da entrada em vigor é justamente
que a partir de segunda já haverá o primeiro espaço formal para começar a
regulamentação.
“Ninguém
imaginou que o acordo entraria em vigor em menos de um ano e agora temos quase
cem países que já o ratificaram. Imagino que isso vai impor um censo de
responsabilidade para tirar o Acordo de Paris do papel”, disse ao Estado. “O que acontece é que nenhum país mais pode
se esconder. O acordo é realidade. Os países têm de começar a se preparar.”
Ele
lembrou que o Gap Report traz “uma mensagem contundente de que a
coisa tá feita” e disse que espera que isso possa de algum modo influenciar as
negociações em Marrakesh. “Talvez a conferência impulsione o inventário
informal que será feito em 2018”, afirmou.
Rittl
se referiu uma checagem que vai ser feita naquele ano para que os países digam
se tem condições de aumentar a ambição de suas metas. “Começar a implantar o
Acordo de Paris agora pode nos permitir vislumbrar um aumento das reduções de
emissões já em 2018.”
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