O que os evangélicos querem com o poder político?

Estratégia evangélica é ocupar o Executivo para
chegar ao Judiciário, diz pesquisadora

Entrevista com Christina Vital
Pesquisadora da Universidade Federal Fluminense

Thais Bilenky

A vitória do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, na eleição municipal do Rio é um passo fundamental na estratégia do segmento evangélico de ocupar o Executivo para chegar ao Judiciário. 
CHRISTINA VITAL
Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Para a pesquisadora Christina Vital, 42 anos, da Universidade Federal Fluminense, que estuda a atuação política dos neopentecostais, conseguir chegar à Presidência da República é importante para eles como estratégia para barrar no Supremo Tribunal Federal temas de minorias – como a pauta gay – que travam embate com esses religiosos.

O crescimento do PRB, partido ligado à Igreja Universal, porém, causa tensão entre outras denominações, que se veem ameaçadas por seu poderio político e econômico.

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Folha - Qual é a consequência da vitória de Marcelo Crivella no Rio para os evangélicos na política?

Christina Vital: Há uma tensão diante do crescimento do PRB. A Iurd [Igreja Universal do Reino de Deus, ligada ao partido] vem comprando horários em outras emissoras, não só na Record, encarecendo-os, fazendo uma gentrificação* do espaço público.

Muitas lideranças da Assembleia de Deus e outras denominações veem com apreensão o crescimento de uma corrente que não lhes representa e é avassaladora em termos econômicos e de ocupação do espaço público.

Mas, por outro lado, desde pelo menos 2014, há um investimento de importantes lideranças evangélicas em torno de unidade para ocupação dos Executivos. No Legislativo, é mais fácil, você fala para um núcleo. Para o Executivo, tem de conciliar a fala para a base religiosa com a fala para a sociedade em geral.

Essa unidade pode crescer para 2018?

Christina Vital: A possível candidatura presidencial de 2018 em torno do [deputado do PSC-RJ, Jair] Bolsonaro é talvez mais representativa de um movimento de unidade de diferentes denominações.

A Assembleia de Deus, a Sara Nossa Terra e a Igreja Batista já o apoiam. Até o momento, a Universal do Reino de Deus consegue ser inimiga de católicos e de outros evangélicos. Tem uma condição muito singular. E pensar que teve queda no número de fiéis desde 2000. Os religiosos da Universal dialogam para muito além do universo religioso. Têm uma pauta mais conservadora, neoliberal.

Os resultados municipais de 2016 evidenciam uma mudança na estratégia, com discurso mais moderado ou perfis mais palatáveis para o eleitorado que não é evangélico?

Christina Vital: Sim, eles adotaram um jogo de visibilidade e ocultação da identidade evangélica dos candidatos. Crivella não se registrou na Justiça como bispo Crivella, diferente do que fez o pastor Everaldo [candidato presidencial do PSC em 2014], que, no registro, já ativou o lugar dele na hierarquia religiosa.

Em uma candidatura majoritária, não se pode ter referência apenas em uma base, você tem de falar para um público mais geral. E aí eles ativam elementos que não são evidentemente religiosos, como a forte inclinação para falar do cuidado com as pessoas, da atenção, e motivação da individualidade. 
LULA & EDIR MACEDO
Na inauguração do canal Record News do grupo empresarial do fundador da
Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd)

Em 2011, Crivella disse que Lula ajudou a Universal a se expandir dentro e fora do Brasil. Além disso, dirigentes do PSDB o apoiaram no segundo turno. Em que medida políticos tradicionais facilitaram o crescimento de quadros evangélicos no país?

Christina Vital: Os evangélicos estão na política há muitos anos, tiveram papel importante na Constituinte e foram ganhando espaço desde então. Mas, a partir do primeiro mandato do ex-presidente Lula, os evangélicos que, de modo geral, apresentavam-se como minoria em termos percentuais e mesmo do seu lugar na agenda pública, crescem. Coincidência ou não, em 2003, a frente parlamentar evangélica passa por uma reestruturação. [E pensar que tantos católicos apoiaram Lula e, ainda, o apoiam. Alguns até com exagerada “devoção”!]

Os partidos e todo candidato têm interesse em números de massa. E as organizações religiosas são em estatística de associativismo das poucas que continuam crescendo.

A ocupação do Executivo mira o Judiciário?

Christina Vital: No nosso livro que será lançado, o pastor Everaldo falou claramente na estratégia de assumir a “cabeça”, falou exatamente a palavra “cabeça”, em uma referência à importância da ocupação da Presidência, que é por onde passa a indicação para o Supremo Tribunal Federal.

A gente acompanha o crescimento de mobilização de juízes evangélicos ou sensíveis à causa evangélica na Associação de Juristas Evangélicos, que se espelha na Associação de Juristas Católicos, da qual Ives Gandra Martins é o grande representante.

Desde pelo menos 2006, o Judiciário tem sido o Poder que vinha possibilitando a garantia de direitos de algumas minorias, direitos esses ameaçados, digamos assim, pelo comportamento legislativo. Os evangélicos falam de uma judicialização da política e eles estavam se organizando para combatê-la.

Crivella afirmou que a sua entrada na política foi imposta pela Universal, a despeito de sua resistência. Como se dá a escolha de quadros na igreja para serem lançados?

Christina Vital: Há diferentes formas. Uma passa por escolher pastores que têm importante representação na denominação, têm carisma. Outras vezes, as escolhas são feitas por relações familiares entre a liderança religiosa e o nome proposto, como no caso do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, fundador da Universal.
MARCELO CRIVELLA
Entrou na política por ordem e vontade de sua igreja, a Universal

Mangabeira Unger apontou benefícios na ascensão de evangélicos por sua “bênção à prosperidade”. A senhora concorda?

Christina Vital: Discordo, porque não entendo que haja necessariamente relação entre a teologia da prosperidade e o desenvolvimento da nação, como se a cultura católica fosse responsável por subdesenvolvimento e o neopentecostalismo, por desenvolvimento econômico. Aí tem uma diferença.

A bandeira de Benjamin Franklin e do calvinismo, que forma a base do discurso do comportamento norte-americano, é muito diferente da teologia da prosperidade, que tem a ver com consumo e ostentação, com individualidade, e não com produção, contenção, disciplina do trabalho e coletividade. Isso é preocupante, não a ascensão dos evangélicos de modo geral.

O PRB em São Paulo lançou o deputado Celso Russomanno à prefeitura, que é católico e tentou se dissociar da religião. Qual é o espaço para o laicismo no partido?

Christina Vital: O partido tem um projeto de poder maior que não se sustenta só em torno da religião. Então, a legenda escolhe candidatos com carisma, ampla visibilidade na sociedade, para angariar votos.

As igrejas aumentam a sua influência inclusive entre o crime organizado, e políticos ligados a milícias declararam apoio a Crivella. Até onde vão as concessões de evangélicos nas negociações políticas?

Christina Vital: Tem de ter pragmatismo, porque o universo político demanda aliança, negociação com diferentes segmentos. E aí não dá para ser uma coisa só intrarreligiosa.

Mesmo esses religiosos no Congresso Nacional não representam todos os evangélicos no Brasil em todas as pautas. Na questão do aborto e LGBT, sim, há correspondência. Mas na pauta das armas e da pena de morte, há enorme descompasso, segundo o Datafolha. Os religiosos no Congresso são mais conservadores. Eles têm interesses para muito além do universo religioso, propriamente, passam por interesses pessoais e partidários.

Os evangélicos no Brasil são, em geral, contra a pena de morte, contra a ampliação do armamento e contra o Estado liberal, defendem o Estado protetor. Enquanto a maior parte dos políticos religiosos no Congresso é a favor do liberalismo. Tem um descompasso aí.

* Gentrificação (do inglês gentrification, derivado de "gentry", que por sua vez deriva do francês arcaico "genterise" que significa "de origem gentil, nobre") é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada (Fonte: Wikipédia). Aqui na entrevista, esse termo é empregado pela professora no sentido que a Igreja Universal do Reino de Deus, adquirindo espaços nos veículos de comunicação social tem produzido, como efeito decorrente, o encarecimento do tempo de utilização em rádios e TVs, dificultando o acesso a eles por parte de outras denominações religiosas.

Fonte: Folha de S. Paulo – Poder / Eleições 2016  – Segunda-feira, 31 de outubro de 2016 – 02h00 (Horário de Brasília – DF] – Internet: clique aqui.

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