Nove "verdades" que esta eleição desmente
Fernão Lara
Mesquita
...brasileiro não sabe votar,
Lula ainda é força para 2018,
o Brasil é uma democracia...
1 – “Identificação biométrica e
rapidez de apuração são provas do avanço da democracia brasileira.” É
exatamente o contrário. Aqui o eleitor só entra em campo depois do jogo jogado
para dizer sim ou não aos escolhidos dos
“caciques” dos partidos. Em democracias de verdade, como a americana, a
suíça e outras, aproveita-se toda e qualquer eleição para que o eleitor decida
literalmente tudo. Junto com presidentes, legisladores ou prefeitos ele elege
diretamente os funcionários públicos sem função exclusivamente política, tais
como xerifes, policiais, promotores, diretores de escolas públicas, etc.; vota
leis de iniciativa popular; referenda ou derruba leis do Legislativo; autoriza
ou não impostos novos ou aumentados; aprova ou não a contratação de dívida;
confirma ou não o mandato do juiz da sua comarca; vota o “recall” ou não de funcionários
eleitos na eleição anterior. Para a eleição da semana que vem, 162 temas
adicionais, 71 propostos por abaixo-assinados de cidadãos comuns, foram
certificados em 35 Estados para constar das cédulas pedindo decisão dos
eleitores de Trump ou Hillary. Por isso 30 milhões deles já receberam suas
cédulas com um mês de antecedência e as vão enviando preenchidas pelo correio. Por isso demora para apurar eleições em
democracias de verdade.
2 – “A política não se renova
porque brasileiro não sabe votar.” Essa afirmação toma o efeito por causa.
O povo elege o de sempre porque só consegue autorização para se apresentar como
candidato quem se compõe com os donos dos partidos. Por isso reforma política
pra valer inclui necessariamente um ponto-chave da que os americanos fizeram lá
atrás. Tornar as eleições municipais
apartidárias para quebrar as pernas dos “caciques” (cujo poder passaria do
controle dos 5.570 potenciais “currais” municipais de hoje para apenas 27
estruturas estaduais) e abrir as portas
da política à entrada de sangue novo. Qualquer um pode candidatar-se a
prefeito ou vereador sem pedir licença a ninguém.
3 – “Há partidos vitoriosos nesta
eleição.” Esta foi a eleição do “não”. “Eu não voto mais”, “eu não voto no
PT”, “eu não voto em ladrão”, “eu não voto em político”, etc... O mais foi
consequência do controle da portaria do “Sistema”. Votou-se no que sobrou dos
“nãos”, já era conhecido ou pôde botar a cara na TV pra mostrar que existia, o
que vale dizer estar num partido grande e velho. Ponho a mão no fogo como 99% dos eleitores não sabem em que partido
votaram, ou, se lembram, não sabem nem a tradução da sigla daquele em que
acabaram votando, mesmo dos tradicionais.
4 – “A ideologia move a
polarização esquerda x direita.” Nem os presidentes dos partidos conseguem definir
esquerda e direita. Mas um grande
divisor de águas aparece nítido no Brasil, como no resto do mundo,
especialmente o latino: ser contra ou a favor da austeridade fiscal. Só que
não é uma fronteira ideológica, é fisiológica: de um lado pena a massa que paga a conta, trabalhando dobrado e
ganhando a metade; do outro se
entrincheira a “casta” que é paga pela conta, trabalhando a metade e
ganhando dobrado. É essa que, sentindo-se agora ameaçada, quebra-quebra e
queima pneus por aí porque as TVs lhe deram a dica de que esse é o jeito de o
seu “dane-se a miséria nacional, ninguém
toca no meu!” alcançar mais do que as esquinas que já não consegue encher
de gente e soar como o contrário do que é.
5 – “É impopular encarar de frente
os problemas mais velhos e óbvios do Brasil.” Se há algo que ficou bem
definido nesta eleição, é que quanto mais assertivo foi o candidato em relação
a eles – necessidade de ajuste, privatização, desmonte da corrupção de
sindicatos e partidos com dinheiro de imposto, fim da chantagem trabalhista e
dos “marajalatos” –, mais fulminante foi sua eleição e a distância aberta em
relação ao oponente, não importando as “tradições” das praças envolvidas. João
Doria e Nelson Marchezan são os exemplos mais visíveis, mas não os únicos.
6 – “Existe um preconceito de
gênero.” O
número de prefeitas e vereadoras eleitas caiu, apesar da “cota” de 30% de
candidatas imposta por aquele mesmo pessoal que, conforme a hora, nos diz que
“não existe gênero” senão o que cada um escolhe para si. Quem escolheu não eleger seu prefeito ou vereador só por esse atributo
foi a metade feminina do eleitorado brasileiro, ou, se quiserem, os 100%
“sem gênero definido pela natureza” que acabam de aprender, com Lula e Dilma,
que pôr alguém para cuidar da coisa pública só por ser mulher é um tipo de
oportunismo para enganar trouxa que em geral acaba em desastre.
7 – “Lula ainda é uma força
para 2018.”
Nesta campanha, “ter apoio de Lula” passou a ser a “denúncia” atirada por
candidatos “de esquerda” contra candidatos “de esquerda”. Em quem colou não
sobrou nada...
8 – “Basta melhorar a gestão
pro Brasil ir pra frente.” Foi-se o tempo! Agora o setor
público está que não tem nem pra lavar o chão do Instituto Médico Legal,
como no Rio, e a economia privada, em
choque hemorrágico, não tem mais com que se reerguer, mas a reforma da
Previdência de que se fala não toca nos “marajás”, só põe dinheiro no caixa no
futuro distante, e a PEC 241 nem menciona o rombo de Estados e municípios. A briga em torno de quem vai pagar essa
conta (na qual as denúncias da Lava Jato serão as armas nos bastidores) nem
começou ainda.
9 – “O Brasil é uma
democracia.”
Da democracia não temos nem o elemento definidor, que é o império da lei igual
para todos. Na raiz do presente desastre
estão os privilégios legalizados e direitos “adquiridos” que “foros especiais”
podem tornar até hereditários, como na Idade Média. Sem um direito só pra
todo mundo não tem saída. E pra chegar lá tem
de pôr o povo no poder, o que se faz submetendo os eleitos aos eleitores
antes e depois da eleição, com prévias transparentes para escolha dos
candidatos e “recall” para a troca dos que, eleitos, “apresentarem defeito”. Sem isso “O Sistema” continuará para sempre
indomesticável, cavalgando impunemente o lombo do povo.
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