"Quem acumula dinheiro é doente"
A riqueza complica a vida!
Entrevista
com José “Pepe” Mujica
Ex-Presidente
do Uruguai
Omero Ciai
Jornal “La
Repubblica” – Roma (Itália)
06-11-2016
“Não desperdicem a vida no consumismo.
Encontrem o tempo de viver para serem felizes”
Disse
José "Pepe" Mujica aos
estudantes que se encontraram com ele na última sexta-feira, em Roma. Oitenta e
um anos, presidente do Uruguai de 2010 a 2015, Mujica está na Itália para uma
série de conferências e para promover o livro de Andrés Danza e Ernesto
Tulbovitz, Una pecora nera al potere [Uma ovelha negra no poder].
"Pepe"
ficou famoso em todo o mundo porque, como
presidente, renunciou a 90% do seu salário e preferiu continuar morando no
pequeno sítio onde cultiva flores, em vez do palácio presidencial. No
Vaticano, ele foi recebido pelo Papa Francisco, com quem compartilha os
esforços diplomáticos pela paz na Colômbia e na Venezuela.
Eis
a entrevista.
Presidente,
o que o senhor espera da votação estadunidense? Também teme uma vitória do
Trump?
José Mujica: Estou muito preocupado com
uma eventual vitória de Donald Trump, porque o peso dos Estados Unidos no mundo
é tal que os desastres combinados por um presidente estadunidense podem
repercutir sobre todos nós. Mas também acho que o presidente dos Estados Unidos
e, feliz e infelizmente, no fundo, tem poderes bastante limitados.
Menos
poderes do que um presidente do Uruguai?
José Mujica: Sim, e vimos isso com a
abertura de uma investigação do FBI sobre Clinton alguns dias antes da votação.
Os contrapesos institucionais são um bem
para a democracia, embora, neste caso, nos Estados Unidos, na realidade, se
trata de órgãos, como a CIA ou o FBI, que ninguém elegeu. E que se
comportam como instituições onipotentes.
O
senhor se tornou um ideal político no mundo, porque viveu e vive como a parte
mais pobre dos seus concidadãos e não como a mais rica. Pensa em ser uma
exceção na política de hoje?
José Mujica: Certamente fui uma exceção
até mesmo no meu país. Mas se trata, acima de tudo, de uma filosofia de vida. O problema é que vivemos em um mundo no
qual se acredita que aquele que triunfa deve possuir muito dinheiro, ter
privilégios, uma casa grande, mordomos, muitos servidores, férias
superluxuosas. Entretanto, eu acho que esse modelo de sucesso é apenas um modo
idiota de se complicar a vida. Eu acho
que quem passa a sua vida acumulando riqueza está doente assim como um
toxicodependente, deveria se tratar.
Ficar
cada vez mais rico é uma doença?
José Mujica: Eu conheci multimilionários,
até mesmo muito idosos. E perguntei a muitos por que razão continuavam acumulando dinheiro se, no fim das
contas, deveriam deixá-lo aqui. A resposta sempre foi que não podiam deixar de fazer isso, como uma doença.
O
senhor teve uma reação pessoal, uma forma de depressão, quando deixou o poder.
Já lhe aconteceu de pensar: "Que pena, não sou mais presidente"?
José Mujica: Não, não. Ao contrário, a
verdade é que, no fim, também pode ser uma experiência decepcionante. Você consegue obter menos de um terço de
todas as coisas que tinha se proposto a fazer. E é muito maior o número de
sonhos que acabam em pó em comparação com aqueles que você conseguiu realizar
como presidente. Também estou convencido de que a política não deve ser uma profissão. É um serviço, uma paixão. Quem quer enriquecer, que se dedique ao
comércio, aos bancos, mas não à política. E, para uma sociedade saudável,
também é necessário que se circule muito mais nas responsabilidades, especialmente
naquelas que envolvem a representação dos interesses de todos.
Durante
o seu mandato, foram aprovadas três leis revolucionárias até mesmo na América
Latina: aborto, casamentos gays e legalização das drogas leves. O que mais o
senhor gostaria de ter feito e não pôde?
José Mujica: No meu país, ainda há um
percentual de indigentes. Mínimo, mas existe. E aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza são 9-10% da população.
Isso não é aceitável no Uruguai, um país que produz alimentos para um número de
pessoas igual a dez vezes os seus habitantes.
O
senhor disse ser contrário à atribuição de um Prêmio Nobel da Paz?
José Mujica: Os Nobéis devem ser
atribuídos aos cientistas, aos médicos. Em
um mundo como o nosso, onde há guerras em todos os lados, atribuir o Nobel da
Paz é uma piada. Uma burla. Sairemos
da pré-história da humanidade somente quando não houver mais armas e exércitos.
O
senhor se opõe à globalização?
José Mujica: Não, não é possível. Seria
como ser contrário ao fato de que a barba cresça nos homens. Mas a globalização que conhecemos até agora
é apenas a globalização dos mercados. Que tem como consequência a concentração de riquezas cada vez
maiores em pouquíssimas mãos. E isso é
muito perigoso. Gera uma crise de representatividade nas nossas
democracias, porque aumenta o número dos excluídos. Se vivêssemos de maneira
sábia, os sete bilhões de pessoas no mundo poderiam ter tudo o que precisam. O problema é que continuamos pensando como
indivíduos ou, no máximo, como Estados, e não como espécie humana.
O
senhor é ateu, mas compartilha muitas ideias com o Papa Francisco,
especialmente a crítica à sociedade consumista e ao capitalismo selvagem.
José Mujica: A minha ideia de felicidade
é especialmente anticonsumista. Querem nos convencer de que as coisas não duram
e nos levam a mudar todas as coisas o mais rápido possível. Parece que nascemos apenas para consumir e,
se não podemos mais fazer isso, sofremos a pobreza. Mas, na vida, é mais importante o tempo que
podemos dedicar ao que gostamos, aos nossos afetos e à nossa liberdade. E
não aquele em que somos obrigados a ganhar cada vez mais para consumir cada vez
mais. Não estou fazendo nenhuma apologia da pobreza, mas apenas da sobriedade.
Traduzido
do italiano por Moisés Sbardelotto.
Acesse a versão original desta entrevista, clicando aqui.
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