ENTENDA COMO OS POLÍTICOS QUEREM SEPULTAR A LAVA JATO!

O Berlusconi aterrissou em Brasília

Modesto Carvalhosa*

Nada melhor do que aprender com ele os métodos e os meios 
de destruir a Lava Jato 
SILVIO BERLUSCONI
Milionário italiano das comunicações e entretenimento, exerceu o cargo de Primeiro Ministro da Itália
entre 1994 e 1995, de 2001 a 2005, entre 2005 e 2006 e de 2008 a 2011.
Investigado e acusado de vários crimes, conseguiu livrar-se graças à aprovação de leis pelo
Parlamento italiano que dificultaram as ações da Operação "Mãos Limpas".

A recente tradução para o português do célebre livro de Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio intitulado Mani Pulite – La Vera Storia, 2012 – tradução essa editada pela CDG Edições e Publicações, 887 páginas, sob o título Operação Mãos Limpas – suscitou uma grande excitação em Brasília, na aguerrida bancada Pro Corrupcione [pró corrução, a favor da corrupção], que atua hegemonicamente no Congresso Nacional.

Aqueles autores italianos dedicam nada menos que 330 páginas a demonstrar, cronologicamente e em detalhes, as despudoradas manobras de toda espécie – incluindo mídia, leis, chantagens, desmoralização das instituições – empreendidas por Silvio Berlusconi, o vergonhoso primeiro-ministro da Itália em dois períodos entre 1997 e 2011, que levaram à total destruição dos benefícios da Operação Mãos Limpas, do início dos anos 2000. A Itália em 2012 ocupava a 69.ª posição entre os países mais corruptos do mundo, atrás de Gana.

Nada melhor, portanto, do que aprender com o execrável Berlusconi os métodos e os meios de destruir a Lava Jato.

Como toda a população brasileira sabe, o Congresso Nacional está dividido em dois blocos:
a) O primeiro, o grupo dos deputados que formam a combativa Frente Parlamentar Anticorrupção, presidida pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame e da qual participam os deputados Onyx Lorenzoni, Joaquim Passarinho e dezenas de outros abnegados.
b) No lado oposto, o sinistro bloco Pro Corrupcione [a favor da corrupção], liderado pelo presidente do Senado [Renan Calheiros], pelo líder do governo no Congresso (“é preciso estancar a sangria” – Romero Jucá) e pelo líder do governo na Câmara dos Deputados [André Moura], tendo como braço seguro, no Poder Executivo, o ministro da Transparência [Torquato Jardim].

A primeira lição haurida do arquicorrupto Berlusconi é a da necessidade de desmoralização do Poder Judiciário.
Livro publicado neste ano no Brasil pela Citadel Editora

Entre nós, tomou essa empreitada o condestável da República, Renan Calheiros. Reuniu ele, para anunciar a missão destruidora da reputação institucional do Judiciário, nada menos que o presidente da República, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o futuro presidente do Congresso Nacional, etc. E ali anunciou que vai revelar, para toda a população brasileira, os supersalários dos juízes, promotores públicos, desembargadores e ministros dos tribunais superiores.

Essa medida berlusconiana, segundo ele, desmobilizará o povo, que ficará desiludido com a Lava Jato. Estará, em consequência, aberta a porta para a pôr em pauta, em regime de urgência, o famigerado Projeto 360, de Abuso de Poder, que responsabiliza pessoalmente os juízes por suas sentenças, se nelas ousarem condenar os corruptos, ou então prendê-los, ou deles homologar qualquer delação. Nessa intimidação legalizada estará incluída também a Polícia Federal, que fica de mãos atadas na sua atividade investigatória, interrogatória, de condução e de custódia.

Ademais, o grupo de trabalho Pro Corrupcione atribuiu ao lídimo líder do governo na Câmara, o deputado André Moura, mais conhecido como André Cunha Moura, por ser o principal esteio do antigo presidente daquela Casa, a missão de pôr em regime de urgência um substitutivo ao Projeto n.º 3.636, de 2015, que altera a Lei Anticorrupção. Esse sórdido substitutivo institui, a favor das empreiteiras corruptas, acordos de leniência de fachada – os famosos sham programs [programas simulados] –, conhecidos da literatura criminal e antitruste no mundo todo. Esse sham compliance [submissão / complacência simulada] é descrito em minúcias no Guia de Programas de Compliance do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), item 3.1.2.

E mais. Por meio dessa encenação de compliance de fachada, não apenas as empreiteiras corruptas poderão voltar a contratar com o poder público federal, estadual e municipal como também os seus controladores, diretores e funcionários terão seus processos e condenações promovidos pela Lava Jato automaticamente extintos. [É muito sério e grave essa lei e outras que estão tramitando no Congresso Nacional por iniciativa de políticos corruptos!]

Para que se “aperfeiçoe” melhor esse simulacro de acordo com as empreiteiras corruptas estarão afastados da sua celebração o Ministério Público e o Tribunal de Contas, a quem cabe declarar a inidoneidade dessas empresas por irregularidade nos contratos de obras.

Essa missão do grupo Pro Corrupcione, visando a extinguir todos os efeitos dos processos levados avante pela Lava Jato, conta com a decidida contribuição do Ministério da Transparência, onde serão “celebrados” os acordos de compliance de fachada. O líder do governo André Moura declarou que tem o apoio do titular daquele ministério. Questionado pela imprensa, o ministro Torquato Jardim respondeu que a única providência que deve ser tomada é – pasmem – mudar a denominação “acordo de leniência” por um nome mais elegante, mais fino, menos chocante para as empreiteiras hipocritamente arrependidas e que agora voltam ao convívio do governo, com leis que garantem, para sempre, a corrupção.

Tudo isso em nome da moralidade pública. Um verdadeiro massacre, tal e qual ocorreu na Itália do nefasto Berlusconi. Ali o Judiciário foi humilhado, com todo o tipo de manobra, inclusive o desaforamento dos processos que corriam em Milão, para outras comarcas mais complacentes com os negócios de Berlusconi et caterva [e comparsas]. A prescrição dos crimes de corrupção foi diminuída pela metade, as empresas corruptas puderam “regularizar” os seus balanços, sem revelar o montante de propinas que, durante décadas, pagaram aos políticos e partidos, e assim por diante.

Na Itália, legalizaram a corrupção por obra e graça do senhor Berlusconi e seus asseclas na Câmara e no Senado. No Brasil, inspirados no exemplo edificante daquele país, desejam os nossos políticos corruptos não só se eximir de sua responsabilidade criminal, mas também “reerguer” as empreiteiras corruptas, sob o pretexto de manutenção de empregos – tal como proclamava a ex-presidente Dilma – para, assim, dar continuidade ao festival eterno de corrupção nas obras públicas, sem cujo oxigênio não podem os políticos viver e muito menos sobreviver.
Modesto Carvalhosa

* MODESTO CARVALHOSA é um jurista e advogado brasileiro. Iniciou seu bacharelado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em 1953 e ali se graduou em 1957. No ano de 1966, obteve o título de doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Realizou estágio pós-doutoral, como bolsista do Governo da República Italiana em 1967. De 1971 a 1985 foi professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vinculado ao Departamento de Direito Comercial. No ano de 1972, obteve a livre-docência em Direito Comercial. Foi presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo e liderou movimentos de oposição ao regime militar. Autor do livro "Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas" (editora Thomson Reuters-Revista dos Tribunais, 432 páginas), lançado em março de 2015, e coordenador da obra "O Livro Negro da Corrupção" (editora Paz e Terra, 1995) [Fonte: Wikipédia]

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Sábado, 19 de novembro de 2016 – Pág. A2 – Internet: clique aqui.

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