"A máquina de crescimento quebrou"

Como está a economia brasileira e para onde vamos

Entrevista com Arminio Fraga
Economista e ex-presidente do Banco Central

Alexa Salomão

Para Arminio Fraga, economia está frágil, crise política não foi debelada
e, para complicar, Lava Jato e Trump ainda podem atrapalhar a retomada
ARMINIO FRAGA

O ex-presidente do Banco Central, o economista Arminio Fraga, é pragmático. O País melhorou depois do impeachment e o governo de Michel Temer segue na direção certa. “A mudança foi impressionante. O Brasil como estava, ia quebrar três vezes mais. A gente ia se espatifar”, diz ele. Mas o cenário ainda é frágil e ficou mais complicado com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a expectativa de novas delações na Lava Jato: “Estamos entrando num período de muita incerteza.” A seguir os principais trechos de sua entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Estadão: Qual o efeito da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos da América (EUA) para a recuperação da economia brasileira?

Arminio Fraga: Há um certo exercício de futurologia nisso, mas, se ele for adiante com o plano de fazer uma grande expansão fiscal, certamente vai nos prejudicar. Não podemos nos iludir: nossa situação ainda é bastante frágil. Estamos sinalizando com reformas importantes, mas uma virada na área fiscal – supondo-se que tudo seja aprovado – começa daqui a uns cinco anos.

Vamos perder investidores, é isso?

Arminio Fraga: Quando esse tipo de coisa acontece, um país muito endividado, como o nosso, sofre. Certamente, não seremos os únicos. A China, hoje no topo dessa extraordinária expansão de crédito, que merecia, talvez, a qualificação de bolha, vai sentir. E se a China sentir, cria uma onda de pressões que vão se autoalimentar.

O próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reduziu a projeção de crescimento de 1,6% para 1% no ano que vem. O que houve: foram otimistas ou surgiram outros imprevistos?

Arminio Fraga: Mesmo uma bola murcha quica. É razoável que, na saída de uma recessão tão profunda e violenta como a nossa, essas projeções sejam móveis. O que está claro é que, quando se faz a conta dos vários componentes do PIB, falta alguma coisa.

E o que falta?

Arminio Fraga: Do lado do consumo, as famílias estão endividadas e há desemprego. Isso cria uma insegurança danada. Em muitos setores, as empresas exibem capacidade ociosa. Não seria natural sair correndo para um novo ciclo de investimentos. A infraestrutura, que é o carro-chefe de uma recuperação, responde lentamente, porque é tudo difícil ali: é preciso fazer projetos, tirar licenças, é da natureza da coisa. Infelizmente, a máquina de crescimento do Brasil está quebrada. A tudo isso se sobrepõe a incerteza. Precisamos de um ambiente que gere entusiasmo. Mas a confiança não vem assim... Se fosse, a saída da ex-presidente já teria dado uma virada. E estamos entrando num período de muito mais incerteza.

Como assim?

Arminio Fraga: Vamos ter mais incerteza política. Na Lava Jato, estão reabrindo delações antigas e chegando muitas delações novas. Pelo o que se diz e pelo que se lê, vão afetar atores políticos da maior importância. Aí, você olha para o mundo e se assusta: eleição de Trump, Brexit, Erdogan na Turquia, o Putin com o estilão dele na Rússia, Xi Jinping na China. Existe uma onda de populismo, com um pouco de conservadorismo, e nós aqui estamos expostos a isso. Mas, como eu disse, nem precisávamos dar esse giro pelo mundo. Temos muito aqui com que nos preocupar, ao vivo e a cores.

A situação dos Estados é outro componente de incerteza? Em particular o Rio, que teve uma semana, digamos, com cores fortes?

Arminio Fraga: Eu vivo aqui no Rio. Sinto a situação. É o caso mais grave, mas não é o único. Esse quadro foi estimulado pelo governo anterior, que liberou a gastança, e agora se aprofunda com a recessão. Mas, nisso, o governo federal não tem como ajudar. A situação fiscal da União é muito grave também.

O que o governo federal tem espaço para fazer?

Arminio Fraga: O ideal seria fazer o ajuste mais rápido, mas está atuando dentro do que é possível no campo político a essa altura do jogo. A agenda é boa. A PEC do teto do gasto (Proposta de Emenda Constitucional 241) é um avanço extraordinário. Ainda assim, exige a reforma da Previdência, se não o teto não fica de pé. Mas eu acho que vai precisar de mais reformas.

Mas quantas reformas um governo de transição tem espaço para fazer?

Arminio Fraga: Não tem muito espaço, e até acho que estão sendo ambiciosos. Mas, se aprovar a reforma da Previdência no primeiro trimestre, vai ter tempo para fazer mais e não vejo porque parar. Acho muito boa a ideia de discutir as questões trabalhistas. O Estadão, aliás, publicou uma fantástica matéria sobre isso. Ali está tudo o que precisa ser feito. A reforma tributária é outra. Para mim, o momento é de oportunidades. O governo, quando sentou para negociar a dívida com os Estados, deveria ter aproveitado para negociar a reforma do ICMS, que é um sistema maluco. Tem também uma agenda micro a ser feita, como recuperar as agências. Ter agências profissionais ajuda muitíssimo.

No micro, o governo prepara medidas para destravar as concessões, inclusive porque parte delas estão com empresas incriminadas na Lava Jato, com problemas de crédito. É o caminho?

Arminio Fraga: A questão é importante. Mas aí é preciso tomar um certo cuidado para não criar a expectativa de que vai se dar moleza. Há riscos que são do jogo. É preciso ter um mecanismo para digerir a situação, atrair mais capital e seguir adiante – seja com o próprio concessionário, ou se ele estiver quebrado, com outro. Toda a discussão sobre lei de falência trata disso: como lidar com a falta de capital, por razões das mais variáveis – incompetência, azar, qualquer coisa – sem criar paralisia de negócios. Salvar empregos é importante. Mas a preocupação não é salvar o concessionário. Em alguns casos é até saudável uma certa destruição criativa, como dizia o economista Joseph Schumpeter.

Há quem reclame que o Banco Central deveria ser mais agressivo na queda da taxa de juros, até para ajudar nessa questão do crédito. O que o sr. acha?

Arminio Fraga: O BC é fiel no compromisso de cumprir a meta de inflação de 4,5% no ano que vem. Uma vez confirmado o diagnóstico de fraqueza da economia, não vai ter problema em cortar. Vai acertar. Aí eu não tenho medo. 
HENRIQUE MEIRELLES

Em menos de dois anos, estamos no terceiro ministro da Fazenda. O sr. disse lá atrás que Joaquim Levy não foi ousado e que Nelson Barbosa precisaria se provar. E o Meirelles?

Arminio Fraga: O Levy tentou e conseguiu fazer muita coisa – que bom que tenho a chance de dizer isso. Olhando para traz a gente vê que ele estava tentando desmontar pedaladas e gastos desenfreados. E inverteu a direção. O Nelson foi arquiteto da nova matriz econômica e havia desconfiança se ele tinha mudado de ideia. Mas ficou pouco tempo. Meirelles tem o histórico de oito anos de Banco Central, com um trabalho bem feito, também em condições adversas. Depois da saída do Palocci (Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda), ele ficou isolado, com apoio só do presidente, que era o que bastava. Chegou na Fazenda apresentando essa proposta de teto de gastos, mais Previdência, que é forte. Está dando passos radicais. Conseguiu uma mudança impressionante. O Brasil como estava, ia quebrar três vezes mais. A gente ia se espatifar.

Mas pelo que sr. descreveu, ainda não conseguimos solucionar a crise política que contamina a economia. Por quê?

Arminio Fraga: Há um certo consenso de que são três crises simultâneas: econômica, política e de valores. Sobre a econômica já falamos. A crise política tem a ver com o caos dos mais de 30 partidos, o que faz com que a coisa funcione como um grande bazar, e reduz um senso maior de responsabilidade pelo bem comum. A de valores tem a ver com a corrupção generalizada, com a busca de atalhos para tudo, com a falta de meritocracia e a de confiança entre as pessoas. Acredito que essas crises têm raízes comuns, que exigem uma resposta simultânea. De um modo geral, a coisa tem a ver com o modelo de Estado que temos, capturados por interesses privados e partidário.

Como o sr. viu o resultado das eleições municipais? Houve uma guinada à direita?

Arminio Fraga: Não se trata de guinada da esquerda para a direita. Não há mais esquerda ou direita. Ou você vai dizer que o PT é de esquerda? O partido da bolsa empresário, que teve a relação que vimos com as empresas, pode ser chamado de esquerda? Acho que não, né? São Paulo elegeu o João Doria (PSDB), que tem um perfil empresarial, bem parecido com o da cidade. Mas o que vimos na eleição municipal em muitas cidades foi a ascensão de uma direita no que se refere ao conservadorismo dos costumes. É preocupante. Eu, como liberal que sou, estou fora disso.

Já dá para dizer para onde a crise econômica vai levar as eleições de 2018?

Arminio Fraga: Não tem como. Ninguém consegue. O meu temor é que surja um populista moralista vendendo um caminho sem sacrifício. Aliás, não gosto quando falam que cada um precisa dar a sua cota de sacrifício para fazer o ajuste, para tirar o País da recessão. Fica parecendo que existe uma saída sem sacrifício – e isso não existe. Nesse ambiente, pode surgir um vendedor de ilusões que piore ainda mais tudo que está aí.

O sr. aceitaria novamente convite para ser ministro da Fazenda?

Arminio Fraga: Não sei. Nem tenho tempo para pensar nisso. Sabe o que acontece? Com o tempo, o sarrafo vai subindo. Quando fui presidente do Banco Central, eu tinha 40 e poucos anos. Agora, estou com 59. A gente vai ficando mais crítico e mais exigente. Estou contente me dedicando à Gávea Investimentos e, em menor escala, a temas acadêmicos e filantrópicos.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios / Entrevista – Domingo, 13 de novembro de 2016 – Pág. B6 – Internet: clique aqui.

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