«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Explicando melhor a vitória de Trump

As sete propostas de Trump que os grandes meios
censuraram... e que explicam a sua vitória    

Ignacio Ramonet

Toda a arquitetura mundial estabelecida ao final da Segunda Guerra Mundial, se vê agora interrompida e colapsada. As cartas da geopolítica serão embaralhadas novamente. Outra partida começa. 

A vitória de Donald Trump (como o BREXIT[1] no Reino Unido ou a vitória do “não” na Colômbia[2]) significa, em primeiro lugar, uma nova estrepitosa derrota dos grandes meios dominantes e dos institutos de pesquisa e das enquetes de opinião. Porém significa também que toda a arquitetura mundial estabelecida ao final da Segunda Guerra Mundial, se vê agora interrompida e colapsada. As cartas da geopolítica serão embaralhadas novamente. Outra partida começa. Estramos em uma era nova cujo traço determinante é “o desconhecido”. Agora tudo pode acontecer.

Como Trump conseguiu reverter uma tendência que dava-o como perdedor e impor-se na reta final da campanha? Esta personagem atípica, com suas propostas grotescas e suas ideias sensacionalistas, já havia desbaratado até agora todos os prognósticos. Frente a pesos pesados como Jeb Bush, Marco Rubio ou Ted Cruz, que contavam inclusive com o resoluto apoio do establishment republicano, muito poucos o viam impor-se nas primárias do Partido Republicano e, no entanto, carbonizou seus adversários, reduzindo-os a cinzas.

Deve-se entender que, desde a crise financeira de 2008 (da qual ainda não saímos), nada mais é igual em nenhuma parte do mundo. Os cidadãos estão profundamente desencantados. A própria democracia, como modelo, perdeu credibilidade. Os sistemas políticos foram sacudidos até as raízes. Na Europa, por exemplo, multiplicaram-se os terremotos eleitorais (ente os quais, o Brexit). Os grandes partidos tradicionais estão em crise. E em toda parte, percebemos o aumento de formações de extrema direita (na França, na Áustria e nos países nórdicos) ou de partidos antissistema e anticorrupção (Itália, Espanha). A paisagem política aparece radicalmente transformada.

Esse fenômeno chegou aos Estados Unidos, um país que já conheceu, em 2010, uma onda populista devastadora, encarnada então pelo Tea Party[3]. A irrupção do multimilionário Donald Trump na Casa Branca prolonga aquela onda e constitui uma revolução eleitoral que nenhum analista soube prever. Ainda que a velha tradição bicéfala entre democratas e republicanos sobreviva nas aparências, a vitória de um candidato tão heterodoxo como Trump constitui um verdadeiro abalo sísmico. Seu estilo direto, populista, e sua mensagem maniqueísta e reducionista, apelando aos baixos instintos de certos setores da sociedade, muito distinto do tom habitual dos políticos estadunidenses, lhe conferiu um caráter de autenticidade aos olhos do setor mais decepcionado do eleitorado da direita. Para muitos eleitores irritados pelo “politicamente correto”, que acreditam que não mais se possa dizer o que se pensa sob pena de ser acusado de racista, a “língua solta” de Trump sobre os latinos, os imigrantes ou os muçulmanos é percebida como um autêntico desabafo.

A esse respeito, o candidato republicano soube interpretar o que poderíamos chamar de “rebelião popular”. Percebeu, melhor que ninguém, a fratura cada vez mais ampla entre as elites políticas, econômicas, intelectuais e mediáticas, de um lado, e a base do eleitorado conservador, de outro. Seu discurso violentamente anti-Washington e anti-Wall Street seduziu, particularmente, os eleitores brancos, com baixo nível de escolaridade e empobrecidos pelos efeitos da globalização econômica.

Deve-se precisar que a mensagem de Trump não é semelhante a de um partido neofascista europeu. Não é um ultradireitista convencional. Ele mesmo se define como um “conservador com senso comum” e sua posição, no leque da política, se situaria mais exatamente à direita da direita. Empresário multimilionário e estrela arquipopular da realidade televisiva, Trump não é um antissistema nem, obviamente, um revolucionário. Não censura o modelo político em si, mas os políticos que o estavam pilotando. Seu discurso é emocional e espontâneo. Apela aos instintos, às “tripas”, não ao cérebro nem à razão. Fala para essa parte do povo estadunidense entre a qual começou a se espalhar o desânimo e o descontentamento. Dirige-se às pessoas que estão cansadas da velha política, da “casta”. E promete injetar honestidade no sistema; renovar nomes, rostos e atitudes.
CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS PELO PARTIDO REPUBLICANO
Donald Trump superou todos os tradicionais caciques e favoritos ao posto,
sinal de descontentamento dos próprios membros do partido!

Os meios de comunicação deram grande divulgação a algumas de suas declarações e propostas mais odiosas, absurdas ou grotescas. Recordemos, por exemplo, sua afirmação de que todos os imigrantes ilegais mexicanos são “corruptos, delinquentes e estupradores”. O seu projeto de expulsar os onze milhões de imigrantes ilegais latinos aos quais quer colocar em ônibus e expulsar do país enviando-os ao México. Ou sua proposta, inspirada em Game of Thrones[4], de construir um muro fronteiriço de 3.145 quilômetros ao longo de vales, montanhas e desertos para impedir a entrada de imigrantes latino-americanos e cujo orçamento de 21 bilhões de dólares seria financiado pelo governo do México. Nessa mesma ordem de ideias, também anunciou que proibiria a entrada a todos os imigrantes muçulmanos... E atacou com veemência os pais de um militar estadunidense de confissão muçulmana, Humayun Khan, morto em combate no Iraque em 2004.

Também [teve destaque] a sua afirmação de que o matrimônio tradicional, formado por um homem e uma mulher, é “a base de uma sociedade livre”, e sua crítica à decisão da Suprema Corte de considerar que o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo é um direito constitucional. Trump apoia as chamadas “leis de liberdade religiosa”, impulsionadas pelos conservadores em vários estados para negar serviços às pessoas LGBT. Sem esquecer suas declarações sobre a “fraude” da mudança climática que, segundo Trump, é um conceito “criado por e para os chineses, para fazer que o setor manufatureiro norte-americano perca competitividade”.

Este catálogo de futilidades terríveis e detestáveis foi, repito, massivamente difundido pelos meios dominantes não somente nos Estados Unidos, mas também no resto do mundo. E a principal pergunta que muita gente se fazia era: como é possível que uma personagem com tão lamentáveis ideias consiga uma audiência tão considerável entre os eleitores norte-americanos, os quais, obviamente, não podem estar todos lobotomizados?[5] Algo não se encaixava.

Para responder a essa pergunta, tivemos que fender a muralha informativa e analisar mais de perto o programa completo do candidato republicano e descobrir os sete pontos fundamentais que defende, silenciados pelos grandes meios de comunicação:

1º) Os jornalistas não lhe perdoam, primeiramente, que ataque de frente o poder mediático. Censuram-no de constantemente incentivar o público nos comícios a vaiar a imprensa “desonesta”. Trump costuma afirmar: “Não estou competindo contra Hillary Clinton, estou competindo contra os corruptos meios de comunicação”[6]. Em um tweet recente, por exemplo, escreveu: “Se os repugnantes e corruptos meios de comunicação me cobrissem de forma honesta e não injetassem significados falsos às palavras que digo, estaria ganhando de Hillary com 20% [de vantagem]”.

Por considerar injusta ou tendenciosa a cobertura mediática, o candidato republicano não teve dúvidas em retirar as credenciais de imprensa para cobrir seus atos de campanha a vários meios importantes, entre os quais: The Washington Post, Politico, The Huffington Post e BuzzFeed. E até se atreveu a atacar a Fox News, a grande cadeia do direitismo panfletário, embora o apoie completamente como candidato favorito...

2º) Outra razão pela qual os grandes meios de comunicação atacaram brutalmente a Trump é porque denuncia a globalização econômica, convencido de que esta acabou com a classe média. Segundo ele, a economia globalizada está falhando cada vez mais com as pessoas e recorda que, nos últimos quinze anos, mais de 60.000 fábricas tiveram que fechar nos Estados Unidos e quase cinco milhões de empregos industriais bem pagos desapareceram. 
Este jornal de Nova York traz em sua manchete do dia 10 de fevereiro de 2016:
"Alvorecer do cérebro morto"

3º) É um fervoroso protecionista. Propõe aumentar as taxas sobre todos os produtos importados. “Vamos recuperar o controle do país, faremos que os Estados Unidos volte a ser um grande país”, costuma afirmar, retomando seu slogan de campanha.

Partidário do Brexit, Donald Trump declarou que, uma vez eleito presidente, tratará de retirar os Estados Unidos do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA na sigla em inglês). Também criticou o Acordo de Associação Transpacífico (TPP na sigla em inglês), e assegurou que, ao alcançar a presidência, retirará o país do mesmo: “O TPP seria um golpe mortal para a indústria manufatureira dos Estados Unidos”.

Em regiões como o rust belt, o “cinturão da ferrugem” do noroeste, onde as transferências e o fechamento de fábricas deixaram altos níveis de desemprego e de pobreza, esta mensagem de Trump está calando fundo.

4º) Assim como sua rejeição aos cortes neoliberais em matéria de seguridade social. Muitos eleitores republicanos, vítimas da crise econômica de 2008 ou que têm mais de 65 anos, necessitam beneficiar-se da Social Security (aposentadoria) e do Medicare (seguro saúde) que desenvolveu o presidente Barack Obama e que outros líderes republicanos desejam suprimir. Trump prometeu não tocar nestes avanços sociais, bem como, baixar o preço dos medicamentos, ajudar a resolver os problemas dos “sem teto”, reformar a tributação dos pequenos contribuintes e suprimir o imposto federal que afeta a 73 milhões de lares modestos.

5º) Contra a arrogância de Wall Street[7], Trump propõe aumentar significativamente os impostos dos corretores de hedge funds que ganham fortunas e apoia o restabelecimento da Lei Glass-Steagall. Aprovada em 1933, em plena Depressão, esta Lei separou o banco tradicional do banco de investimentos com o objetivo de evitar que o primeiro pudesse fazer investimentos de alto risco. Obviamente, todo o setor financeiro se opõe absolutamente ao restabelecimento desta medida.

6º) Em política internacional, Trump quer estabelecer uma aliança com a Rússia para combater com eficácia ao Estado Islâmico (ISIS em sua sigla em inglês). Ainda que, para isso, Washington tenha de reconhecer a anexação da Crimeia por Moscou.

7º) Trump estima que, com sua enorme dívida soberana, Estados Unidos não mais disponha dos recursos necessários para levar a cabo uma política exterior intervencionista indiscriminada. Não podem mais impor a paz a qualquer preço. Diversamente que vários caciques de seu partido, e como consequência lógica do final da Guerra Fria, quer mudar a OTAN: “Não haverá nunca mais garantia de uma proteção automática dos Estados Unidos para os países da OTAN”.
Distrito Financeiro de Wall Street em Nova York
À direita se vê a fachada do prédio da Bolsa de Valores

Todas estas propostas não invalidam, absolutamente, as inaceitáveis, odiosas e, às vezes, nauseabundas declarações do candidato republicano difundidas com grande alarde pelos grandes meios de comunicação dominantes. Porém explicam melhor, com certeza, o porquê de seu êxito.

Em 1980, a inesperada vitória de Ronald Reagan nas eleições presidenciais dos Estados Unidos fez com que o planeta entrasse em um ciclo de quarenta anos de neoliberalismo e de globalização financeira. Hoje, a vitória de Donald Trump pode fazer-nos entrar em um novo ciclo geopolítico cuja perigosa característica ideológica principal – que vemos surgir por todas as partes e em particular na França com Marine Le Pen – é o “autoritarismo identitário”. Um mundo desmorona, portanto, e dá vertigem...

N O T A S

[ 1 ] BREXIT é a abreviação das palavras em inglês Britain (Grã-Bretanha) e exit (saída). Designa a saída do Reino Unido da União Europeia.
[ 2 ] De maneira surpreendente, o "não" se impôs, no dia 2 de outubro de 2016, ao "sim" na Colômbia, por uma diferença de apenas 54 mil votos (50,2% a 49,8%), e fez naufragar nas urnas o acordo de paz assinado entre o governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), de maneira festiva e com a presença de vários chefes de Estado da América Latina, na segunda-feira anterior (26 de setembro de 2016).
[ 3 ] TEA PARTY (em inglês: Tea Party movement, às vezes traduzido como Partido do Chá) é um movimento social e político populista, conservador, ultradireitista. Este grupo político trata-se de uma ala radical do Partido Republicano dos Estados Unidos e não é considerado um partido em si apesar de contar com a adesão de boa parte dos Republicanos. O movimento surgiu a partir de uma série de protestos coordenados, tanto no nível local como nacional, que se realizaram a partir do início de 2009. Os protestos foram, em parte, motivados por diversas leis federais, como o Plano de resgate econômico de 2008, a Lei de Recuperação e Reinvestimento dos Estados Unidos de 2009 e a Lei de Proteção ao Paciente e Assistência Médica Acessível (reforma do sistema de saúde, popularmente conhecida como "Obamacare"). O movimento defende uma política fiscal conservadora e o originalismo, isto é, a interpretação do texto constitucional segundo o seu significado à época em que foi adotado. De acordo com diversas pesquisas de opinião, cerca de 10% dos norte-americanos consideram-se parte do movimento (Fonte: aqui).
[ 4 ] GAME OF THRONES (trad.: A Guerra dos Tronos) é uma série de televisão norte-americana criada por David Benioff e D. B. Weiss para a HBO. A série é baseada na série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo (A Song of Ice and Fire no original), escritos por George R. R. Martin, com seu título sendo derivado do primeiro livro. Game of Thrones está sendo filmada principalmente no Paint Hall Studios, em Belfast, e em outras localizações na Irlanda do Norte, Espanha, Navarra, Marrocos, Malta, Croácia e Islândia (Fonte: aqui).
[ 5 ] Lobotomizado é uma pessoa submetida à lobotomia, uma intervenção cirúrgica no cérebro na qual são seccionadas as vias que ligam as regiões pré-frontais e o tálamo, usada no passado em casos graves de esquizofrenia; leucotomia. A técnica, criada em 1933 pelo médico português A. Egas Moniz (1874-1955), que recebeu por isto o Prêmio Nobel em 1949, encontra-se atualmente em desuso (Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, versão 3.0).
[ 6 ] Frase proferida no comício do dia 13 de agosto em Fairfield (Connecticut).
[ 7 ] Wall Street é uma rua que corre na Manhattan Inferior, e é considerada o coração histórico do atual Distrito Financeiro da cidade de Nova York, onde se localiza a bolsa de valores de Nova York e a sede de vários dos maiores bancos e corretoras de valores dos Estados Unidos e do mundo. Portanto, ao se falar em Wall Street, quer se referir a todo o mundo das finanças atuais.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Le Monde Diplomatique en español – Notícias – Quarta-feira, 9 de novembro de 2016 – Internet: clique aqui.

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