A FICHA NÃO CAI PARA ELES !

“Partidos não são mais capazes de capitalizar
as massas”

Entrevista com Roberto Romano*
Filósofo e Professor de Ética Política na Unicamp

Alexandra Martins

Para pesquisador, crise política não tem gerado líderes com poder
de mobilizar um corpo social democrático
ROBERTO ROMANO

O professor de ética política Roberto Romano defende a tese de que quanto mais caótico estiver o contexto político brasileiro, mais cara sairá a fatura de negociações do presidente Michel Temer com sua chamada base aliada. Leia os trechos da entrevista.

Como o senhor vê a saída do ministro Geddel Vieira Lima do governo?

Roberto Romano: A queda de Geddel evidencia a fragilidade da prudência na escolha de ministros pelo presidente Temer. E também mostra o quanto a Presidência da República está umbilicalmente unida a maiorias venais e nada éticas do Congresso. Geddel deveria ter sido afastado imediatamente. E Marcelo Calero (ex-ministro da Cultura) deveria ser instado pelo presidente a abrir um processo contra seu colega que lhe exigia favores. Geddel sai, o governo perde força, enquanto uma administração federal provisória, até 2018, e o desarrazoado político aumenta. É o tempo em que os pescadores de água turva, como boa parte da base aliada, encarecerão o preço do peixe, ou seja, do apoio ao presidente.

O episódio ameaça o mandato do presidente Temer?

Roberto Romano: Eu acho que ameaça, não no sentido de que ele possa sofrer um impeachment, porque a oposição brasileira se encontra enfraquecida. O partido que poderia liderar um pedido de impeachment, o PT, acabou de sair de um processo de impeachment, de sair de uma derrota monumental nas eleições municipais e está numa crise interna muito grande de autodefinição. Mas, por outro lado, essa desastrada escolha do Ministério traz problemas. Você escolhe para ministro da Educação (Mendonça Filho) uma pessoa que realiza sua primeira audiência com Alexandre Frota, que é um ator pornô. O Ministério tem muitos altos e baixos e eu digo que há mais baixos do que altos. Ele escolheu esse Geddel, baseado no fato de que o Geddel tem condições de arregimentar votos para os projetos do governo no Congresso. Ele está repetindo o drama do Getúlio Vargas, de todos os presidentes da República, inclusive de Dilma Rousseff. É dificílimo esse trato do presidente com a chamada base aliada, o preço é cada vez mais caro.

Como o senhor vê a tentativa dos deputados de estabelecer uma anistia ao caixa 2?

Roberto Romano: Essa anistia começou com a redação da Constituição de 1988, com a instauração da prerrogativa de foro. Você tinha um Congresso que deu a si mesmo o estatuto de constituinte para a redação da Constituição. Mas aqueles que estavam já no Congresso e que delinquiram durante muito tempo, sabiam que uma vez instituído o poder civil, eles não teriam mais possibilidade de chantagear os generais, de enfrentar de novo um reequilíbrio dos poderes. A introdução da prerrogativa de foro foi um habeas corpus preventivo que todos fizeram. O foro ajudou a aumentar o preço da corrupção, da chantagem do Legislativo sobre o Executivo. O foro tem de ser estendido a chefes dos Três Poderes, inclusive por questão de segurança nacional. Agora, no atacado, é um incentivo à delinquência.

Como o senhor avalia a disposição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de modificar a lei de abuso de autoridade?

Roberto Romano: O Renan não é um político qualquer. Ele tem, talvez só o Lula ou Fernando Henrique Cardoso tenham, essa agilidade mental para construir cenários que são semiverdadeiros e semimentirosos. Nesse caso, ele está usando um fato que tem fundo de verdade, mas aplicado ao que não é verdadeiro. Está tentando blindar os políticos, a começar por ele mesmo, usando esse defeito do relacionamento do Estado brasileiro com a cidadania, você tem um Estado que privilegia quem está do lado do serviço público e não quem está pagando pelo serviço público.
MICHEL TEMER, ELISEU PADILHA E GEDDEL VIEIRA LIMA
O trio que governava o Brasil se desfez...

Procuradores e juízes deveriam estar submetidos a crime de responsabilidade?

Roberto Romano: Essa questão deveria aparecer em outro contexto e não nesse de retaliação à Operação Lava Jato. Sim, é preciso que todo aquele que está a serviço do público tenha consciência de que não é superior ao público, mas que é um servidor do público. Achei bonito, embora um tanto demagógica, a fala da ministra Cármen Lúcia em sua cerimônia de posse: “Sua excelência, o povo”. Isso é o que nossos políticos, nossos juízes esquecem. O título de excelência é o título do povo, que é emprestado temporariamente para essas pessoas. Aqui no Brasil não há o exercício pleno do respeito à soberania popular.

Como vida de ostentação do ex-governador Sérgio Cabral com dinheiro público, segundo a Polícia Federal, alcança a população?

Roberto Romano: Isso causa uma revolta muito grande, mas uma revolta que não conseguiu até hoje, a não ser em 2013 ou 2014, se traduzir em movimento de rua bem organizado. Esses dois movimentos não se traduziram em mudanças nos partidos políticos, pelo contrário. Os partidos estão totalmente alheios ao que ocorre com a população. Segundo pesquisa recente, parte da população brasileira não é que não confia nas instituições republicanas, ela não confia na democracia. O problema é que você não tem nem à esquerda ou à direita movimentos de partidos capazes de capitalizar essas massas e transformá-las em energia política para mudar a máquina do Estado. Estamos retomando esse movimento do parafuso que criou as ditaduras. Você não está conseguindo produzir líderes democratas capazes de movimentar massas. É aí quando surgem as lideranças conservadores ou fascistas. [Os Estados Unidos e a Europa que o digam!]

* QUEM É ROBERTO ROMANO:
Natural de Jaguapitã (PR), é doutor em filosofia e professor de Ética Política no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Durante a ditadura, fez parte do grupo Juventude Estudantil Católica, passou pelo Convento dos Dominicanos em Juiz de Fora (MG), foi interrogado e preso pelo Dops, em São Paulo, tendo se aproximado de referências da luta contra o regime militar como Frei Betto. É casado com a socióloga Maria Sylvia de Carvalho Franco, pesquisadora das raízes da violência no Brasil.

“É incrível: a ficha dessa gente não cai”,
diz Giannetti sobre governistas

Entrevista com Eduardo Giannetti da Fonseca
Economista e Professor do Insper (São Paulo)

Alexa Salomão

Para economista e professor do Insper, nova crise institucional coloca em
risco a recuperação da economia e o quadro, que já era frágil, fica ainda pior
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA

Para o economista Eduardo Giannetti, o balanço da semana que passou é desastroso. O PMDB mostrou que não entende as mudanças em curso no Brasil. “Depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, a cúpula do PMDB insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei”, disse. [Mas você acha que raposa muda?!]

O mais grave, na sua avaliação, é que a nova crise institucional coloca em risco a recuperação da economia. “O quadro, que já era frágil, piora”. E tudo isso com um agravante: pode acirrar a indignação popular e levar as pessoas às ruas. “Manifestações são os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos.” Para Giannetti, até os avanços na negociação entre União e Estados para resolver a crise fiscal precisam ser vistos com parcimônia: “Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados, mas a negociação não resolve um problema de fundo: o federalismo truncado”.

A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo.

Um ministro, que pediu exoneração, faz denúncias sérias que levam à queda de outro ministro e levantam dúvidas de que o próprio presidente de República participou de tráfico de influência. Qual o impacto sobre a economia dessa reviravolta na cena política?

Eduardo Giannetti: Algum efeito sobre a economia terá. O quadro, que já era frágil, piora. Antecipa a materialização de um risco político que, pelo histórico da cúpula do PMDB, todos já conheciam e previam. Mas o que não dá para entender é como essa cúpula do PMDB, depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei, como se o poder existisse para favorecê-los e angariar privilégios nas decisões de política pública. Como é que um ministro de Estado, no meio dessa situação tão frágil, tenta interferir numa questão pública em defesa de seu interesse pessoal? E talvez tenha feito isso até com o beneplácito do presidente? Continuam agindo como se nada estivesse acontecendo. É incrível: a ficha dessa gente não cai. É especialmente preocupante que tudo isso prejudique e eventualmente possa comprometer o trabalho de uma equipe econômica da maior qualidade técnica e disposta a consertar os equívocos.

Como ficam as medidas na área econômica que o próprio governo precisa implementar? Dá para aprovar a Previdência num ambiente de baixa popularidade que se aprofunda?

Eduardo Giannetti: É cedo para dizer se vai comprometer a estratégia da equipe econômica. Também se sabe que a reforma da Previdência é complexa em qualquer ambiente. Mas é certo que, quanto mais fragilizado estiver o governo, quanto mais depreciado estiver o seu capital político, mais difícil fica. Por isso, é preciso senso de urgência para dar início à reforma o quanto antes. A fragilização do governo Temer é questão de tempo.

Alguns têm defendido que, como a crise política interfere na recuperação econômica, o País não deveria levar a faxina ética às últimas consequências. Para o senhor, existe um limite?

Eduardo Giannetti: As duas questões são imperativas. Não podemos esquecer que Brasil bateu num paredão: 12 milhões de pessoas hoje procuram emprego, mas não encontram, e outros 6 milhões de brasileiros estão desalentados – sequer procuram emprego. São 18 milhões sem trabalho. Temos também 60 milhões de inadimplentes. O investimento está em queda há dez semestres. Muitas empresas estão numa situação periclitante. E ainda temos mais de 3 mil obras paralisadas só no âmbito federal. E a recuperação da economia brasileira em 2017 ainda é muito nebulosa. O agravamento desse quadro vai nos levar para uma crise social de proporções imprevisíveis. Há urgência em estancar a crise. Mas tão preponderante quanto sair da recessão é manter a investigação da Lava Lato. Precisamos descobrir uma maneira de separar essas duas coisas. As duas coisas precisam ser feitas. Não podemos admitir o uso do imperativo econômico para aprovar medidas que atenuem a punição dos que cometeram delitos com recursos públicos e com o financiamento de campanha. [Por tudo isso exposto nesta resposta, é que devemos ser responsáveis! Não é momento para aventuras, tira e põe Presidente da República! Quanto mais a crise política se arrastar, mais ela contaminará a nossa economia e, consequentemente, mais a população que vem sofrendo será levada à miséria e depressão social profundas! É hora de pensar mais nos pobres que em nossas ideologias!]

Houve também manobras para anistiar políticos envolvidos nas denúncias de caixa 2 de campanha...

Eduardo Giannetti: Sou radicalmente contrário à anistia para o caixa 2. Se insistirem nisso, vão provocar a reação popular. Salta aos olhos a questão da Justiça. Na Lava Jato, a gente vê os empreiteiros presos, os operadores presos, os diretores da Petrobrás presos e os políticos soltos. O foro privilegiado dá à casta governamental brasileira a vantagem de não serem punidos e condenados. Não dá para aceitar que não se tenha nenhuma condenação de político em exercício do cargo. Já ficou claro que a Lava Jato não é perseguição ao PT. Prenderam Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Anthony Garotinho – mas só depois de perderem o mandato. Está faltando pegar quem está no exercício do mandato. Mas o estresse institucional é geral. A coisa está fluida. A gente precisa fazer um reordenamento das relações intragovernamentais e entre os poderes. Nas duas dimensões: vertical e horizontal. Não dá para ter um sistema em que Judiciário e Legislativo atuam em causa própria e se autoconferem salários descolados da realidade do resto dos trabalhadores. O benefício médio – veja bem, médio – dos inativos e pensionistas da União, Estados e municípios no Brasil é cinco vezes maior do que a média do brasileiro. É um sistema de castas. [E diga-se, que é justamente isso que mais torna deficitária a Previdência Social, não tanto as aposentadorias do setor privado!]

O senhor mencionou que pode haver uma reação popular. Qual seria o efeito a essa altura das manifestações de rua?

Eduardo Giannetti: Manifestações de ruas são imponderáveis. São os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos na história das nações. Eu uso a metáfora do grão de areia. Vem do estudo de alguns físicos. Você solta um grão sobre uma torre de areia. Um grãozinho. Três coisas podem ocorrer. O grãozinho para no topo e fica lá: nada acontece. O grãozinho escorrega lentamente até a base e a torre continua de pé. Mas também pode acontecer que o grão caia naquele ponto em que faz a torre desabar. Os grãozinhos estão caindo todo dia na torre da política brasileira. Tendo a crer que ainda vai cair um grão que vai fazer essa torre desabar. Aprovar uma medida para livrar os políticos das punições pelo caixa 2 vai causar tal descontentamento que pode fazer a torre vir abaixo.

A virada à direita na eleição municipal já não é o indício disso?

Eduardo Giannetti: Os grupos de extrema direita se beneficiam da atmosfera de medo de que as coisas possam caminhar para o caos. O arranjo de poder que o Brasil tinha desde a redemocratização acabou. O momento é propício para manifestações surpreendentes – como a invasão da Câmara por um grupo que pedia a volta da ditadura.

A semana também foi de negociação entre União e Estados. Ao menos nesse terreno o senhor viu avanços?

Eduardo Giannetti: Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados. Mas a PEC de gasto dos Estados, o congelamento de salários e a contribuição maior para a Previdência, apesar de medidas fundamentais, não resolvem o problema de fundo.

Que problema de fundo?

Eduardo Giannetti: O que eu chamo de federalismo truncado. Em 1988, a Constituição optou pelo Estado Federativo. Ou seja, fomos do Estado centralizado na União, modelo dos militares, para o Estado descentralizado, onde atribuições foram transferidas para Estados e municípios. Mas houve um erro grave no desenho: obrigações foram descentralizadas – educação, saúde, saneamento. Mas a autoridade para tributar continuou concentrada no governo central. É preciso rever esse modelo para deter a crise fiscal.

Fontes: O Estado de S. Paulo – Política / Entrevista – Domingo, 27 de novembro de 2016 – Pág. A8 – Internet: clique aqui; Economia & Negócios / Entrevista – Domingo, 27 de novembro de 2016 – Pág. B6 – Internet: clique aqui.

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