«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

OS POBRES... SEMPRE ELES!

“Os pobres pagarão pelo triunfo do
populismo global”    

Entrevista com Bernard-Henri Lévy
Filósofo, jornalista e escritor francês

Francesca Paci
Jornal “La Stampa” – Turim (Itália)
13-11-2016

Um convite a não subestimar o potencial destrutivo de Trump,
especialmente agora que ele foi eleito. 
Uma advertência contra a “Internacional Populista” 
BERNARD-HENRI LÉVY

Jornalista, escritor, filósofo, animador do debate político assim como da mundanidade francesa, mas, principalmente, epígono do intelectual "engagée" na era do desengajamento e da revolta contra as elites, Bernard-Henri Lévy traça um mapa em que o Ocidente catalisa tensões, frustrações, acertos de contas com a história.

Eis a entrevista.

Comecemos com Trump: o que devemos esperar?

Bernard-Henri Lévy: O pior. Ou seja, que ele fará o que puder para aplicar o seu programa. As pessoas dizem: "Agora que ele foi eleito, ele vai se acalmar, vai colocar água no vinho, vai se deixar digerir pelo sistema". Eu não acredito nisso. Eu acho que ele vai tentar, tanto quanto possível, fazer aquilo que ele disse.

Que valores expressa essa votação?

Bernard-Henri Lévy: O desprezo pela democracia. A lei da telerrealidade aplicada à política. E, como se não bastasse, uma espécie de darwinismo social, em que os mais fracos vão pagar o preço. Eu li que quem elegeu Trump foram os desclassificados, os marginalizados da globalização, os humilhados. Entretanto, isso não é verdade, porque a maioria dos negros – a minoria por excelência da qual provêm esses excluídos – votaram em Clinton. Mas, principalmente, se Trump mantiver as suas promessas em matéria fiscal ou de proteção social, quem vai sofrer com isso são os estadunidenses mais pobres.

Não é um voto de protesto contra as elites?

Bernard-Henri Lévy: Não. É um voto contra a República. Contra a igualdade e o respeito pelas minorias. Contra Tocqueville [1] e a sua definição da América. Assistimos a uma autêntica tentativa de suicídio dentro daquela grande democracia que é a democracia estadunidense.

Qual é a agenda de Trump para a Europa?

Bernard-Henri Lévy: Na melhor das hipóteses, ele não dá a mínima para a Europa. Na pior, ele acredita que é hora de renegociar os termos da Otan. Em ambos os casos, a sua eleição é uma péssima notícia, e, em ambos os casos, sob a sua presidência, os Estados Unidos vão virar as costas às suas raízes europeias.

A chanceler Merkel felicitou Trump, mas lhe recordou o respeito pelos direitos humanos. É a abordagem correta?

Bernard-Henri Lévy: Merkel expressou dois medos. O primeiro é que os Estados Unidos caiam no isolacionismo e renunciem a defender a democracia no resto do mundo. O segundo é que, nos próprios Estados Unidos, haja uma regressão em relação às batalhas históricas pelos direitos civis que, há 50 anos, lhe honram. A reação de Merkel é a de uma amiga dos Estados Unidos que vê os Estados Unidos atirarem contra o próprio pé.

A Europa está unida nisso ou vai se dividir ainda mais?

Bernard-Henri Lévy: Há um novo tipo de regime na Europa, as "démocratures", uma mistura de democracia e ditadura. É o caso do populismo autoritário de Victor Orban na Hungria. Esse tipo de pessoas, obviamente, se alegra com Trump. Assim como Marine Le Pen, na França, foi a primeira a se felicitar. Há uma nova Internacional, uma espécie de Internacional vermelha e preta, ou preta e vermelha, que já vê em Trump o seu arauto. Entre aqueles que saudaram o advento da Trump está:
a) a extrema direita, mas também toda aquela
b) parte da extrema esquerda seguidora de pessoas como Slavoj Žižek [2], convicta de que o verdadeiro perigo era Hillary Clinton.

Você acha que devemos nos preocupar diante da lista daqueles que aplaudem Trump? Erdogan, al-Sisi, Orban, Le Pen, Grillo na Itália...

Bernard-Henri Lévy: Sim. É a "Internacional Populista". A vitória de Trump lhes dá asas. É o seu "Yes, we can" [Sim, podemos]. Se Trump pôde, Le Pen também poderá. Se Trump foi eleito, nada vai impedir que um palhaço malvado como Beppe Grillo, por sua vez, o seja. No mundo ocidental, pôs-se em marcha essa grande regressão antidemocrática.

Mas Trump foi eleito democraticamente...

Bernard-Henri Lévy: A democracia não se limita ao voto. Diz respeito aos valores, ao tipo de sociedade, a uma relação com o mundo. É possível que estejamos assistindo à autoliquidação da democracia por meio da democracia. Além disso, na realidade, as coisas são mais complicadas. Os Estados Unidos são um grande país, e eu acredito que, no fim, vão triunfar sobre a vulgaridade e a brutalidade. A Itália resistiu a Berlusconi, os Estados Unidos vão resistir a Trump.

E Putin? Que política Trump vai adotar?

Bernard-Henri Lévy: Ele já a anunciou. Vai comer na sua mão. Vão romper com a política de firmeza relativa do governo Obama. Será assim por razões ideológicas e pessoais: eles têm a mesma visão do mundo, o mesmo populismo, o mesmo desprezo pelas elites e pelos valores democráticos, mas também a mesma vulgaridade, a mesma pertença aos clubes dos supostos "testosterônicos". Sem falar que o Kremlin foi indiretamente – com os seus hackers focados nos e-mails de Clinton – um dos arquitetos da vitória de Trump. E sem falar nos laços obscuros do passado empresarial de Trump com os amigos de Putin...

Explique melhor.

Bernard-Henri Lévy: Em 2004, quando Trump estava à beira do colapso financeiro, os bancos dos Estados Unidos deixaram de financiá-lo. Alguns oligarcas russos, então, o sustentaram. Foram eles que assinaram os seus novos projetos imobiliários, foram eles que, de algum modo, o salvaram. 
Bashar Hafez al-Assad e Vladimir Putin
O presidente da Síria tem se mantido no poder graças ao apoio declarado e massivo do presidente russo

Que consequências essa situação terá para o Oriente Médio?

Bernard-Henri Lévy: O dossiê mais candente é a Síria. Se Trump se alinhar com Putin, iremos rumo ao abandono da Síria. Rumo ao reconhecimento a Bashar Hafez al-Assad [presidente da Síria] do papel de grande esterilizador dos gérmens da democracia na região. E rumo a uma concepção da luta contra o Estado Islâmico que pressupõe uma política de terra arrasada. Com tudo o que isso implica em termos de aumento de refugiados. Não nos esqueçamos de que a maioria dos famosos migrantes que chegam à Europa são de pessoas que fogem do face a face entre Assad e Estado Islâmico. Tudo o que alimenta esse face a face e mantém Assad no poder só pode aumentar o número de refugiados.

E Israel?

Bernard-Henri Lévy: Trump já disse. Pretende pedir a Israel o reembolso de uma parte das ajudas concedidas pelos governos anteriores. Além disso, você se lembra da vulgaridade das suas alusões às grandes organizações sionistas estadunidenses durante a campanha eleitoral. Coisas do tipo: "Eu sei que vocês não vão votar em mim porque eu não quero o seu dinheiro sujo...".

Você acaba de voltar do Iraque. Ali, no coração da guerra contra o Estado Islâmico, essa votação também será sentida?

Bernard-Henri Lévy: Provavelmente sim. Até porque, ali também, Trump será tentado a se alinhar com Putin e os seus métodos. Tomemos Mosul, por exemplo. A coalizão internacional, por enquanto, leva uma guerra o mais limpa possível, evitando atingir civis e limitando as perdas. Com Trump, corre-se o risco de outro tipo de guerra, ataques maciços e cidades aniquiladas, o método Grozny ou Aleppo aplicado em Mosul.

E os curdos? Aqueles que lutam in loco contra o Califado, como você contou no seu filme Peshmerga, vão obter o seu Estado, no fim?

Bernard-Henri Lévy: Eu espero que sim. Seria o mínimo, depois de tantos sacrifícios e de tanto sangue derramado. Além disso, essa batalha de Mosul não começou há um mês, mas há um ano ou talvez dois, quando os curdos, e só eles, enfrentaram as primeiras linhas do Califado [= Estado Islâmico]. Hoje, concentramo-nos nos últimos atos, esquecendo que a maior parte do trabalho foi feita pelos peshmerga, quando não havia a coalizão internacional, muito menos uma brigada iraquiana. Mas, mesmo aí, deve-se temer o pior. Porque, no clube dos dopados de testosterona, há um terceiro homem, Recep Tayyip Erdoğan [presidente da Turquia]. Ele também fascina Trump. O seu entendimento será perfeito. E ele é o inimigo jurado dos curdos. Não vejo Trump impondo a Erdogan um Estado para os curdos...
Recep Tayyip Erdoğan
O presidente turco aproveitou-se da repressão aos militares que tentaram, recentemente, tirá-lo do poder com
um estranho e frustrado "golpe de Estado", para fazer uma "limpeza" em seus opositores, inclusive na imprensa

Trump falou dos esforços de Assad contra o Estado Islâmico, mas nunca mencionou os curdos. Um mau sinal?

Bernard-Henri Lévy: Eu acho que sim. Além disso, essa história é uma balela. Acima de tudo porque os curdos estão na linha de frente contra o Estado Islâmico. E, depois, porque, antes de combatê-lo, Assad inventou o Estado Islâmico. Nunca devemos esquecer o jogo duplo turco. Assim como o jogo duplo saudita ou do Catar. Não há aliados confiáveis na luta contra o jihadismo. É possível fazer uma parte do caminho com eles, mas sendo vigilantes e prudentes. Uma última coisa sobre a Turquia. Já não nos perguntamos mais se ela deve ou não entrar na Europa. A questão é mais radical: ela ainda tem direito ao seu lugar na Otan? Ela pode, sem esclarecer as suas posições, permanecer na aliança militar que garante a segurança da Europa? Adivinhe a minha resposta.

N O T A S

[ 1 ] ALEXIS DE TOCQUEVILLE (Alexis-Charles-Henri Clérel, visconde de Tocqueville, 29 de julho de 1805 — 16 de abril de 1859). Ele foi um pensador político, historiador e escritor francês. Tornou-se célebre por suas análises da Revolução Francesa, cuja pertinência foi destacada por François Furet, da democracia americana e da evolução das democracias ocidentais em geral. Raymond Aron pôs em evidência sua contribuição à sociologia. Uma de suas obras, já clássicas, é A Democracia na América (2 volumes, Martins Editora, 2014, 3ª edição).

[ 2 ] SLAVOJ ŽIŽEK (nasceu em Liubliana, aos 21 de março de 1949). É um sociólogo e teórico crítico e cientista social esloveno. É professor da European Graduate School e pesquisador sênior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. É também professor visitante em várias universidades estadunidenses, entre as quais estão a Universidade de Columbia, Princeton, a New School for Social Research, de Nova Iorque, e a Universidade de Michigan. Há uma vasta bibliografia sua publicada no Brasil, para conferi-la, clique aqui.

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão italiana desta entrevista, clicando aqui. A versão original da entrevista, em francês, é acessível aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 14 de novembro de 2016 – Internet: clique aqui.

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