Desemprego é mais que não ter trabalho!
Desemprego de aproximadamente 20 milhões de brasileiros
representa uma perda sistêmica para toda a sociedade
Entrevista
com Clemente Ganz Lúcio
Sociólogo,
diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e
Social (CDES)
Instituto Humanitas Unisinos On-Line
“É um contingente muito grande, uma elevação muito
rápida e isso tem um efeito extremamente perverso sobre a condição de vida
dessas pessoas e famílias, e, evidentemente, um rebatimento perverso para toda
a economia”
CLEMENTE GANZ LÚCIO |
Nos
últimos dois anos, por conta dos efeitos
da crise econômica, o número de
desemprego aberto no Brasil aumentou de 6 a 7% para 12%. Esses dados
indicam que, somente nesse período, “quase cinco milhões de pessoas” perderam
seus empregos, diz Clemente Ganz Lúcio
à IHU On-Line. Essa situação só será revertida “quando a economia voltar a
crescer” e a recessão for “estancada”.
Segundo ele, hoje o número
de desempregados no país é de aproximadamente 20 milhões de brasileiros. “É um contingente muito
grande, uma elevação muito rápida e isso tem um efeito extremamente perverso
sobre a condição de vida dessas pessoas e famílias, e, evidentemente, um
rebatimento perverso para toda a economia”, avalia.
Na
entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o sociólogo adverte que essa situação de desemprego representa uma “perda sistêmica” não só
para as pessoas que estão enfrentando dificuldades, mas para a sociedade como
um todo. O desemprego, diz, gera uma
“situação socioeconômica extremamente perversa para as famílias que estão
desempregadas. Essas pessoas perdem investimentos, perdem patrimônio, às
vezes perdem a casa, estão endividadas, muitas vezes perdem o investimento na
sua formação porque não encontram mais um emprego. Tem pessoas que investiram a
vida toda para trabalhar na indústria do calçado, mas como não encontram mais
emprego nesse ramo, começam a trabalhar de porteiro de prédio. Essa mudança de emprego é uma perda pessoal
e também social”.
Clemente
Ganz Lúcio também comenta o atual momento político e frisa que “é necessário
fazer um trabalho de mobilização, do jeito que for possível, às vezes num
cenário micro, às vezes com mobilizações maiores, como fazem agora os jovens
secundaristas”. E adverte: “É uma época em que o nosso time vai ter muita
derrota, mas teremos que entrar em campo e jogar para tentar vitórias. E, às
vezes, um empate tem que ser comemorado como uma vitória. Tivemos uma vitória no adiamento da votação do STF em relação à
terceirização. Essa vitória pontual exigirá uma intervenção no Congresso
para negociar uma solução no Legislativo, porque se não tivermos uma solução no
Legislativo, podemos ter uma decisão no Supremo, que poderá ser uma tragédia”.
Confira
a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor
está analisando o atual momento político e econômico brasileiro?
Clemente Ganz
Lúcio: Em
primeiro lugar, o Brasil enfrentou uma grave recessão econômica, que teve
início em 2014, se agravou profundamente em 2015 e 2016, e tende a ter ainda um
forte desdobramento em 2017. Esse é um
período em que ainda veremos impactos severos da recessão, que poderá ser
gradualmente superada a partir de 2017 ou poderá ser alargada, dependendo das
medidas que forem tomadas.
Essa grave crise tem causas internas: as decisões macroeconômicas tomadas
no final do primeiro e no início do segundo mandato da presidente Dilma
agravaram severamente a crise econômica e jogaram o país em uma recessão. Mas, de outro lado, não necessariamente as medidas tomadas pelo
presidente Temer serão capazes de recolocar o país na trajetória que vivemos
entre 2004 e 2014, porque há severas
restrições externas, dado que
agora a própria eleição americana coloca dúvidas em qual será a estratégia econômica
dos Estados Unidos. E, internamente, temos severas dificuldades para sustentar um
crescimento econômico e vivemos um momento de aumento acentuado de desemprego e
de arrocho salarial. Portanto, a perda da massa salarial significa a
redução de consumo, ou seja, as famílias
têm endividamentos e assim ficam mais conservadoras com os gastos, e as
empresas também estão endividadas e não observam um comportamento, no
mercado interno e externo, que anime a produção. O Estado, por sua vez, que é o
agente capaz de mobilizar a atividade econômica, também está travado desde
2012, 2013 e 2014, aprofundando a cada ano a diminuição dos gastos e dos
investimentos. Essa é uma decisão trágica, porque esse gasto é fundamental para
sustentar o nível de demanda da economia.
Essa redução dos gastos da
economia como um todo também gera um impacto sobre o Estado, porque isso
implica uma queda na receita [arrecada-se menos impostos], o que agrava, mais uma vez, a condição fiscal do Estado de tomar a
iniciativa para sair da crise. Logo, os vetores e as locomotivas que podem
puxar a economia brasileira estão todos com o freio de mão puxado. Essa
recessão, que será longa, talvez seja uma das mais graves da história econômica
moderna brasileira.
IHU
On-Line - Qual é o quadro mais atualizado em relação ao desemprego hoje no
país? É possível estimar quantas pessoas estão desempregadas? Como o senhor
classifica a situação que se vive hoje em relação ao desemprego?
Clemente Ganz
Lúcio: Nós
observamos que o rebatimento da crise econômica para o mercado de trabalho
representou um aumento muito forte, muito acentuado e muito rápido do
desemprego. Nós saímos de uma taxa de 6%
a 7% de desemprego aberto para uma taxa que está encostando em 12%, isto é,
houve um aumento, em mais ou menos dois anos, de quase cinco milhões de pessoas
em situação de desemprego aberto. Além disso, no Brasil existe um outro contingente de pessoas que se encontram
ocupadas pelo emprego precário - que nós chamamos de desemprego
oculto pelo trabalho precário -, que
são as pessoas que fazem “bicos” para sobreviver, mas continuam precisando
muito do emprego. Existe também o que
chamamos de desemprego por desalento, que são
pessoas que desistiram de procurar emprego, porque não encontram posto de
trabalho, mas declaram que precisam de um trabalho para viver.
Se somarmos essas duas
condições, é provável que o volume de desempregados, incluindo o desempregado
aberto, seja de 18 a 20 milhões de brasileiros. É um contingente muito
grande, uma elevação muito rápida e isso tem um efeito extremamente perverso
sobre a condição de vida dessas pessoas e famílias, e, evidentemente, um
rebatimento perverso para toda a economia. Essas
pessoas que estão endividadas não conseguem saldar suas dívidas, e isso tem
um efeito econômico muito ruim porque as
pessoas desempregadas e sem renda diminuem seu padrão de consumo e, com isso,
diminuem a demanda para a economia, e isso tudo forma um ciclo destrutivo,
que é a característica da própria recessão. Ou seja, essa dinâmica agrava o
problema econômico, motivo pelo qual a sensação é a de que a “queda no fundo do
poço” continua cada vez mais funda, na expectativa de em algum momento achar o
fundo do poço.
IHU
On-Line – O que seria uma saída para reverter esse quadro?
Clemente Ganz
Lúcio: A
população desempregada só terá um posto de trabalho quando a economia voltar a
crescer. Portanto, a condição para
estancar o aumento do desemprego é a economia diminuir o nível de queda da
atividade, isto é, a recessão tem que ser estancada. Mas isso demanda um
tempo. Portanto, os efeitos de uma
retomada do crescimento econômico e do emprego não são rápidos, porque os
empregos permanentes e estruturais dependem de uma reorganização da atividade
econômica, que é dada por uma série de fatores. Por exemplo, é necessário
que o Banco Central sinalize para uma substantiva redução da taxa de juros, e
isso rebate no setor financeiro com uma taxa de juros e de empréstimo muito
menor. Os bancos teriam que oferecer créditos, teriam que renegociar as dívidas
com as famílias e com as empresas, o governo deveria alocar muitos recursos na
retomada de investimento.
Mas,
no momento, ninguém está tomando
inciativas para animar a economia. O governo tem dito que a “fada da confiança”
irá animar a economia, mas como não acredito em fadas, não acredito que essas medidas que o governo anuncia, dizendo que está
recuperando a confiança da economia, vão gerar a retomada do crescimento.
Empresário não acredita em fada; empresário acredita em recurso investido e em
demanda efetiva acontecendo. Evidente que essas inciativas do governo tendem,
em médio prazo, a gerar novos equilíbrios na economia, mas não necessariamente
equilíbrios que vão retomar o crescimento econômico.
IHU
On-Line - Que efeitos essa onda de desemprego pode gerar, nos próximos anos,
para as novas gerações que irão ingressar no mercado de trabalho?
Clemente Ganz
Lúcio: Tem
várias dimensões do impacto. Primeiro, tem o impacto objetivo, que é o
desemprego geral, uma situação socioeconômica extremamente perversa para as
famílias que estão desempregadas. Essas
pessoas perdem investimentos, perdem patrimônio, às vezes perdem a casa, estão
endividadas, muitas vezes perdem o investimento na sua formação porque não
encontram mais um emprego. Tem pessoas que investiram a vida toda para
trabalhar na indústria do calçado, mas como não encontram mais emprego nesse
ramo, começam a trabalhar de porteiro de prédio. Essa mudança de emprego é uma
perda pessoal e também social.
Em
um período de longo desemprego e de recessão, a tendência é aumentar a informalidade, portanto há uma tendência de
aumentar as ocupações sem proteção social. Isso impacta, negativamente, por
exemplo, no financiamento da Previdência Social: essas pessoas que não têm um emprego protegido terão dificuldades com
relação à aposentadoria no futuro.
Outra
dimensão importante a ser considerada é que a recessão desestrutura os investimentos em formação. Por exemplo,
os engenheiros estão sendo desmobilizados, os cursos estão perdendo a
atratividade, porque as pessoas começam a pensar que o país não precisará de
engenheiros, porque não vai haver um projeto de desenvolvimento. Então, uma
crise como a que vivemos gera um impacto
grande na formação e na expectativa da juventude que está chegando ao mercado
de trabalho, e gera ainda uma desesperança
para muitos que já investiram, estão formados e não encontram empregos nas suas
áreas de formação. Então, há um processo psicossocial com esses jovens que
investiram na sua formação e que não encontram postos no mercado de trabalho
brasileiro.
A
perda é sistêmica, ou seja, na medida em que a recessão gera uma destruição dos
postos de trabalho, portanto, do emprego, na
verdade o que estamos destruindo é a capacidade da sociedade de gerar renda e
riqueza. Desse modo, os rebatimentos são de muitas dimensões e, inclusive,
na arrecadação de impostos. Se o Estado arrecada impostos, ele pode investir em
educação, saúde, segurança e assim por diante; se nós não consumimos, não temos emprego, não pagamos impostos, o
Estado diminui sua capacidade de fazer as políticas, de contratar
servidores, de realizar os serviços e produzir os bens que deveria produzir.
Isso, evidentemente, agrava a condição de vida desses trabalhadores. Esse
circuito perverso é um circuito que se reproduz em várias instâncias, de forma
a desestruturar a dimensão econômica que sustenta a vida em uma sociedade.
Trabalho ambulante, precário, sem proteção e incerto! Esta é mais uma consequência dramática do desemprego galopante no país! |
IHU
On-Line - Como o senhor vê a proposta de alguns sindicatos de aderirem a uma
greve geral neste momento? Como está a capacidade da sociedade de se
rearticular e reagir?
Clemente Ganz
Lúcio: Há
uma dificuldade estrutural e um desgaste
geral com os governos no Brasil e no mundo. Em outros países, a população
está se decidindo pela alternância de governos, e, em geral, onde tem um
governo de centro-esquerda, está se indo para a direita. Isso porque em geral
os conservadores fazem um discurso mais fácil, que tende a gerar uma reação, e
acaba-se criando condições para medidas conservadoras, contra “aqueles que
querem tomar o emprego”, contra o imigrante, como mostra a eleição do Trump,
nos Estados Unidos. Trata-se de uma política
do ódio ao outro, da eliminação do
outro porque ele é identificado como a causa do problema que alguns estão
enfrentando.
A
sociedade toda é atingida por esse tipo de postura, e no caso brasileiro isso
veio agravado pelas medidas tomadas nos últimos dez anos, de melhoria do
aparato estatal para combater a corrupção. Essa melhoria acabou resultando em
inúmeras ações que o Estado brasileiro passou a fazer para coibir a corrupção.
Esses instrumentos revelam perversidades enormes, e precisam de
aperfeiçoamentos porque ainda não estão prontos. Mas, de outro lado, isso tem
um impacto severo porque a própria operação Lava Jato se desdobra em cima do
principal setor econômico do Brasil, que são as empreiteiras.
Ações
como essas também geram muitos rebatimentos, inclusive preconceitos, homofobia,
e tudo isso acaba sendo utilizado para mobilizar uma série de posicionamentos
mais conservadores e para retrair os movimentos, que não têm capacidade de
reagir ao que acontece. Esses mesmos movimentos estavam mais acomodados com o
governo que, por sua vez, não atuava para destruí-los, mas trabalhava numa
tentativa de negociação através do Congresso. Mas para reverter todas essas situações, levará muito tempo.
IHU
On-Line - Vislumbra a possibilidade de superar essa desesperança a partir da
eleição de novos governos à esquerda? Que tipo de rearticulação política
vislumbra para o Brasil, considerando o resultado das eleições municipais? O
que seria uma via para reagir a esse momento?
Clemente Ganz
Lúcio: Os
movimentos precisam ter continuidade numa nova situação, usando de novos
instrumentos, observando a juventude que está atuando nesse cenário de crise,
com novas formas de pensar o mundo; tudo isso precisa ser incorporado. E não
podemos deixar de pensar que as pessoas
que pensam e governam o país hoje, se formaram nos anos 70, mas a moçada que
está nos movimentos tem outra cabeça. Portanto, é importante que os
movimentos consigam dar conta de incorporar essas pessoas, de refazer uma
posição crítica dos movimentos e dos partidos, porque há uma insatisfação da sociedade com os resultados que os partidos
entregam à sociedade.
Não creio que a mudança que
está em curso ocorrerá no curto prazo, nem creio que se dará no curto prazo uma guinada à
direita - onde uma visão neoliberal e o sistema financeiro coordenam as
políticas, e as posições conservadoras ganham predominância na sociedade, como
estão ganhando na Europa, na Alemanha e nos Estados Unidos.
Temos que trabalhar para que
essa virada à direita não se transforme em uma tragédia, porque no rastro do
ódio surgem tragédias que demoram décadas para serem superadas. Considerando tudo isso, é
necessário fazer um trabalho de mobilização, do jeito que for possível, às
vezes num cenário micro, às vezes com mobilizações maiores, como fazem agora os
jovens secundaristas. Todas essas mobilizações são modelos de movimentos do
amanhã, ou seja, são tentativas de fazer algo diferente. Algumas vão fracassar,
outras terão sucesso. Também precisamos
continuar tendo uma ação institucional forte, intervindo no Congresso, lutando
pela democracia, acompanhando a votação e a análise do Supremo Tribunal Federal
em relação à terceirização etc. Ou seja, temos
que fazer o trabalho de mobilização, de debate público e de intervenção
institucional, e teremos que fazer tudo isso num ambiente de maior
adversidade.
É
uma época em que o nosso time vai ter muita derrota, mas teremos que entrar em
campo e jogar para tentar vitórias. E, às
vezes, um empate tem que ser comemorado como uma vitória. Tivemos uma
vitória no adiamento da votação do Supremo Tribunal Federal em relação à
terceirização. Essa vitória pontual exigirá uma intervenção no Congresso para
negociar uma solução no Legislativo, porque se não tivermos uma solução no
Legislativo, podemos ter uma decisão no Supremo, que poderá ser uma tragédia.
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