Jubileu da Misericórdia continua... saiba como!

Papa conclui o Ano da Misericórdia com
uma Carta Apostólica intitulada:
«Misericordia et Misera»

Andrea Tornielli

«A Porta Santa se fecha, mas a misericórdia permanece
escancarada», afirma Papa Francisco
PAPA FRANCISCO
Abre a Porta Santa da Basílica de São Pedro no Vaticano, marcando a abertura do Ano Jubilar da Misericórdia
Terça-feira, 8 de dezembro de 2015

«Fixar-se somente na lei equivale a invalidar a fé e a misericórdia divina» e «mesmo nos casos mais complexos, onde se é tentado a fazer prevalecer uma justiça que deriva somente das normas, deve-se crer na força que brota da graça divina». Escreve Papa Francisco na carta apostólica «Misericordia et misera» com a qual conclui o Jubileu Extraordinário mantendo, no entanto, abertas muitas «portas»: entre as decisões concretas:
1ª) manter em serviço os «missionários da misericórdia»;
2ª) continuar a conceder a todos os padres a faculdade de absolver o pecado de aborto, mesmo após o Ano Santo;
3ª) continuar a reconhecer como válidas e lícitas as absolvições dadas pelos padres lebvrevianos (Fraternidade S. Pio X); e finalmente,
4ª) instituir um Dia Mundial dos Pobres.
JESUS E A MULHER PECADORA
Cena de João 8,1-11

A adúltera

O novo documento papal parte das duas palavras «misericordia et misera» [misericórdia e mísera], que Santo Agostinho utiliza para narrar o encontro entre Jesus e a adúltera passível de lapidação segundo a lei mosaica, a qual é, ao invés, perdoada. Uma página do Evangelho que «pode, com justa razão, ser considerada como ícone de tudo o que celebramos no Ano Santo».

[Introdução da carta apostólica:]
MISERICÓRDIA E MÍSERA (misericordia et misera) são as duas palavras que Santo Agostinho utiliza para descrever o encontro de Jesus com a adúltera (cf. Jo 8,1-11). Não podia encontrar expressão mais bela e coerente do que esta, para fazer compreender o mistério do amor de Deus quando vem ao encontro do pecador: «Ficaram apenas eles dois: a mísera e a misericórdia». Quanta piedade e justiça divina nesta narração! O seu ensinamento, ao mesmo tempo que ilumina a conclusão do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, indica o caminho que somos chamados a percorrer no futuro.

Francisco recorda que «No centro, não temos a lei e a justiça legal, mas o amor de Deus, que sabe ler no coração de cada pessoa incluindo o seu desejo mais oculto e que deve ter a primazia sobre tudo». Não se encontram «o pecado e o juízo em abstrato», mas «uma pecadora e o Salvador» que «olhou nos olhos aquela mulher e leu no seu coração». Continua Francisco, «Depois que se revestiu da misericórdia, embora permaneça a condição de fraqueza por causa do pecado, tal condição é dominada pelo amor que consente de olhar mais além e viver de maneira diferente».

A misericórdia suscita alegria

«Nada que um pecador arrependido coloque diante da misericórdia de Deus pode ficar sem o abraço do seu perdão. É por este motivo que nenhum de nós pode pôr condições à misericórdia; esta permanece sempre um ato de gratuidade do Pai celeste, um amor incondicional e não merecido. Por isso, não podemos correr o risco de nos opor à plena liberdade do amor com que Deus entra na vida de cada pessoa».

O Papa recorda que a misericórdia suscita alegria e, portanto, em um mundo no qual «parecem se multiplicar as formas de tristeza e solidão», mesmo para os jovens, com o futuro «refém da incerteza, que não permite ter estabilidade», há necessidade de «testemunhas de esperança e de alegria verdadeira, para expulsar as quimeras que prometem uma felicidade fácil com paraísos artificiais».
PAPA FRANCISCO
Leva o Evangeliário - livro que contém a leitura do Evangelho para cada domingo do Ano Litúrgico

Difundir e conhecer a Escritura

A intenção do Papa parece ser aquela de desejar fechar a Porta Santa, mas não o tempo da misericórdia, continuando a celebrá-la, primeiramente na missa e na oração: «ainda antes e acima da revelação do pecado, temos a revelação do amor com que Deus criou o mundo e os seres humanos. O amor é o primeiro ato com que Deus Se deu a conhecer e vem ao nosso encontro».

Francisco propõe de intensificar a escuta da Palavra de Deus. Recomenda aos padres de prepararem bem a pregação, que «será tanto mais frutuosa quanto mais o sacerdote tiver experimentado em si mesmo a bondade misericordiosa do Senhor». Ele acrescenta que «seria conveniente que cada comunidade pudesse, num domingo do Ano Litúrgico, renovar o compromisso em prol da difusão, conhecimento e aprofundamento da Sagrada Escritura».

Os «missionários da misericórdia» não param

O Papa relança, portanto, o sacramento da reconciliação. Agradece os «missionários da misericórdia» que alcançaram as dioceses do mundo, e anuncia que o serviço deles «não termina com o encerramento da Porta Santa. De fato desejo que permaneça ainda, até novas ordens, como sinal concreto de que a graça do Jubileu continua a ser viva e eficaz nas várias partes do mundo».
Sacerdote ouvindo confissão de um fiel

«Sacerdotes, sede generosos no confessionário»

Aos padres confessores solicita que sejam «acolhedores com todos, testemunhas da ternura paterna não obstante a gravidade do pecado, solícitos em ajudar a refletir sobre o mal cometido, claros ao apresentar os princípios morais, disponíveis para acompanhar os fiéis no caminho penitencial respeitando com paciência o seu passo, clarividentes no discernimento de cada um dos casos, generosos na concessão do perdão de Deus».

O sacerdote no confessionário «seja magnânimo de coração». Francisco recorda que «não há lei nem preceito que possa impedir a Deus de reabraçar o filho que regressa a Ele reconhecendo que errou, mas decidido a começar de novo. Deter-se apenas na lei equivale a invalidar a fé e a misericórdia divina». E «mesmo nos casos mais complexos, onde se é tentado a fazer prevalecer uma justiça que deriva apenas das normas, deve-se crer na força que brota da graça divina».

O Papa pede aos padres de evitar «comportamentos que possam contradizer a experiência da misericórdia» que as pessoas procuram. A confissão «precisa de voltar a ter o seu lugar central na vida cristã» e para isso «requerem-se sacerdotes que ponham a sua vida ao serviço do “ministério da reconciliação”».

Todos os padres continuarão a absolver o aborto

O Papa para atingir esse objetivo, concede «a partir de agora a todos os sacerdotes, em virtude do seu ministério, a faculdade de absolver a todas as pessoas que incorreram no pecado do aborto. Aquilo que eu concedera de forma limitada ao período jubilar fica agora alargado no tempo, não obstante qualquer disposição em contrário».

Nesse contexto, Francisco afirma: «Quero reiterar com todas as minhas forças que o aborto é um grave pecado, porque põe fim a uma vida inocente; mas, com igual força, posso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai».

Uma extensão é estabelecida também para as absolvições dadas pelos padres da Fraternidade São Pio X fundada por Lefebvre: «confiando na boa vontade dos seus sacerdotes para que se possa recuperar, com a ajuda de Deus, a plena comunhão na Igreja Católica, estabeleço por minha própria decisão de estender esta faculdade para além do período jubilar, até novas disposições sobre o assunto».

Proximidade e consolação

Na carta o Papa fala, então, do rosto da consolação. A «misericórdia expressa-se também na proximidade, no carinho e no apoio que muitos irmãos e irmãs podem oferecer quando sobrevêm os dias da tristeza e da aflição». Francisco explica que «enxugar as lágrimas é uma ação concreta que rompe o círculo de solidão onde muitas vezes se fica encerrado». E se não existem palavras adequadas, «poderá ser de grande ajuda também o silêncio; porque em certas ocasiões não há palavras para responder às perguntas de quem sofre».
PAPA FRANCISCO
Acolhe e conversa com um casal no Vaticano

Famílias a acolher

Em um parágrafo dedicado à família, Francisco retoma a importância do discernimento sugerido na exortação pós-sinodal «Amoris laetitia». «Não podemos esquecer que cada um traz consigo a riqueza e o peso da sua própria história, que nos distingue de qualquer outra pessoa. A nossa vida, com as suas alegrias e os seus sofrimentos, é algo único e irrepetível que se desenrola sob o olhar misericordioso de Deus. Isto requer, sobretudo por parte do sacerdote, um discernimento espiritual atento, profundo e clarividente, para que toda a pessoa sem exceção, em qualquer situação que viva, possa sentir-se concretamente acolhida por Deus».

Obras concretas para quem sofre

Enfim, o Papa fala dos sinais concretos: «É a hora de dar espaço à imaginação a propósito da misericórdia para dar vida a muitas obras novas, fruto da graça». Recorda que «populações inteiras padecem a fome e a sede» e «multidões de pessoas continuam a emigrar dum país para outro à procura de alimento, trabalho, casa e paz».

Fala dos cárceres «lugares onde muitas vezes, à pena restritiva da liberdade, se juntam transtornos por vezes graves devido às condições desumanas de vida». Também «a cultura do individualismo exacerbado, sobretudo no Ocidente, leva a perder o sentido de solidariedade e responsabilidade para com os outros. O próprio Deus continua a ser hoje um desconhecido para muitos; isto constitui a maior pobreza e o maior obstáculo para o reconhecimento da dignidade inviolável da vida humana».
CÁRITAS DA ÁUSTRIA
Acolhe imigrantes e refugiados que chegam aos milhares a este país da Europa

Misericórdia como valor social

Em resumo, «as obras de misericórdia corporal e espiritual constituem até aos nossos dias a verificação da grande e positiva incidência da misericórdia como valor social. Com efeito, esta impele a arregaçar as mangas para restituir dignidade a milhões de pessoas que são nossos irmãos e irmãs».

Não ter trabalho «nem receber um salário justo, não poder ter uma casa ou uma terra onde habitar, ser discriminados pela fé, a raça, a posição social» são «condições que atentam contra a dignidade da pessoa». Quantas são hoje as situações «em que podemos restituir dignidade às pessoas, consentindo-lhes uma vida humana. Basta pensar em tantos meninos e meninas que sofrem violências de vários tipos, que lhes roubam a alegria da vida. Os seus rostos tristes e desorientados permanecem impressos na minha mente».

Após ter, portanto, recordado o «caráter social» da misericórdia, o Papa pede para fazer crescer uma cultura da misericórdia, «na qual ninguém olhe para o outro com indiferença, nem vire a cara quando vê o sofrimento dos irmãos».

A Dia Mundial dos Pobres

É tempo de misericórdia «para que os pobres sintam pousado sobre si o olhar respeitoso mas atento daqueles que, vencida a indiferença, descobrem o essencial da vida».

À luz do «Jubileu das Pessoas Excluídas Socialmente», conclui Francisco, «intuí que, como mais um sinal concreto deste Ano Santo extraordinário, se deve celebrar em toda a Igreja, na ocorrência do XXXIII Domingo do Tempo Comum, o Dia Mundial dos Pobres... Será um Dia que vai ajudar as comunidades e cada batizado a refletir como a pobreza está no âmago do Evangelho».

E o Papa acrescenta, «este Dia constituirá uma forma genuína de nova evangelização (cf. Mt 11,5), procurando renovar o rosto da Igreja na sua perene ação de conversão pastoral para ser testemunha da misericórdia».

Leia, abaixe e imprima o texto integral da
Carta Apostólica «Misericordia et Misera», clicando aqui.

Traduzido do italiano por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Vatican Insider / La Stampa – Vaticano – Segunda-feira, 21 de novembro de 2016 – Internet: clique aqui.

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