O futuro do catolicismo
Uma Igreja menor composta e fora do “mundo”?
Massimo
Faggioli
Professor
da Villanova University, nos Estado Unidos
La
Croix International
31-10-2016
MASSIMO FAGGIOLI |
Um
dos debates correntes no catolicismo ocidental atual diz respeito ao papel e à
posição da Igreja.
A
Igreja Católica tem sido sempre um dos principais membros do sistema social,
político e cultural do hemisfério ocidental. Mas hoje alguns católicos são
tentados a resolver as diversidades internas da Igreja e sua luta contra a
secularização deixando para trás esse status. Essas pessoas querem uma Igreja menor, com um posicionamento externo à
organização política, social e cultural do mundo ocidental. [Este é um grande risco! Tornarmo-nos uma seita, um grupo
muito compacto, zeloso, fiel, mas exclusivo para poucos e “ bons”!]
Isto é particularmente
visível nos Estados Unidos, onde a candidatura presidencial de Donald Trump e a crise intelectual e política da direita
religiosa é um subconjunto da crise
da liderança clerical e intelectual da Igreja Católica institucional.
CHARLES CHAPUT Arcebispo da Filadélfia nos Estados Unidos |
Somente
nestes últimos dias, percebemos claramente diferentes visões entre diversos
líderes católicos norte-americanos sobre a posição da Igreja em relação ao
mundo exterior.
Um
dos mais notáveis, o arcebispo Charles
Chaput da Filadélfia, disse, recentemente: "nós nunca precisaremos temer uma Igreja menor e mais leve se os seus
membros também forem mais fiéis, mais zelosos, mais missionários e mais
comprometidos com a santidade".
Em
uma fala na Universidade de Notre Dame, no dia 19 de outubro, ele disse: "Perder pessoas que só constam como membros
da Igreja é uma perda imaginária. Pode ser até mais honesto para quem sai e
mais saudável para quem fica".
Alguns
dias depois, o presidente da universidade, Reverendo
John Jenkins, CSC, respondeu ao arcebispo em uma entrevista à Commonweal. Ele afirmou que, dentre
outras coisas, "nós só devemos
temer que a Igreja seja menor devido à incapacidade de acolher as pessoas e
pregar o Evangelho de uma forma que toque seus corações".
O bispo Robert Lynch, de St. Petersburg
(Flórida), também discordou de Chaput.
"Esta
ideia [de uma Igreja menor] era um conceito silencioso e reservado que havia
silenciosa e secretamente surgido no final dos anos oitenta e noventa,
originado por alguns bispos norte-americanos que trabalhavam em Roma. Agora,
parece-me que a estratégia foi articulada publicamente", escreveu o bispo
em seu blog.
"Eu
estava horrorizado quando eu ouvi falar sobre isso pela primeira vez, décadas
atrás, e estou mais ainda agora, porque parece
para mim que a visão pastoral do Papa Francisco, que eu acho tão desafiadora e
excitante, está sendo rejeitada", disse Lynch.
Mas
a Igreja Católica nos Estados Unidos não é a única no mundo onde este debate é
intenso. Bispos da França recentemente emitiram uma importante carta em prol de
uma redescoberta do sentido da política, e até mesmo da laicidade
(secularidade). Os bispos escreveram que "o
Estado laico [laïcité de l'État] é
um marco jurídico que nos permite que vivamos juntos, entre crentes de qualquer
religião ou não".
Enquanto
isso, na Itália, intelectuais
secularistas vêm pedindo à Igreja há décadas para que não intervenha em todos
os assuntos sociais e políticos (como, por exemplo, a colunista Michele
Serra, do jornal de esquerda La Repubblica).
Mas agora eles estão pedindo que a
Igreja apele para a alma do povo italiano, a fim de ajudar o governo a lidar
com a crise dos refugiados.
Livro publicado pela Editora Unisinos São Leopoldo - RS |
Como
disse Charles Taylor em seu livro
fundamental, Uma era secular,
(Editora Unisinos, São Leopoldo, 2010) todos
nós somos neo-durkheimianos". Ou seja, depois do 11 de setembro, temos
uma tendência a ver na Igreja um pilar da civilização ocidental.
É
interessante que, na última década, depois que Taylor escreveu essas palavras,
o pontificado do Papa Francisco tenha aumentado a distância entre a visão de
futuro da liderança católica europeia e norte-americana. Na verdade, o Papa
acelerou de alguma forma as tendências neossectárias no episcopado católico
norte-americano, que se esforça para receber sua eclesiologia.
A eclesiologia e a visão de
laicidade do Papa Francisco estão muito mais próximas às dos bispos da França do que dos bispos dos Estados Unidos. É impensável imaginar bispos
norte-americanos pedindo mais laicidade nos Estados Unidos. E isso não é apenas
um problema do estilo ou do tipo de relacionamento com o governo secular, mas
também da eclesiologia - isto é, sobre que tipo de comunidade cristã a Igreja
Católica quer ser no futuro próximo.
Líderes
católicos que defendem uma Igreja menor e um refúgio longe da praça pública
estão presos entre dois impulsos diferentes e contraditórios.
Por
um lado, querem manter o papel da Igreja como um pilar da organização moral,
cultural e política norte-americana como uma versão transatlântica atrasada da
cristandade medieval, especialmente após a crise do protestantismo dominante
nos Estados Unidos.
Por
outro, eles mostram profundo descontentamento e pânico sobre o colapso dos
alinhamentos político-religiosos no país entre conservadorismo religioso, a
"direita religiosa" e o Partido Republicano. Este colapso leva alguns
líderes católicos e formadores de opinião norte-americanos a darem um ponto
final nisso.
Existem
várias versões deste sonho. A "opção
Bento" (advinda do Papa Bento XVI) é apenas uma delas.
Há
também uma versão teologicamente mais sofisticada, radicalmente de esquerda,
que é popular entre alguns dos estudantes católicos do teólogo moral metodista Stanley Hauerwas. É a tentativa ansiosa de reconciliar o
sectarismo e o catolicismo, que o Papa Francisco tem considerado
incompatíveis. Ele disse isso recentemente, em uma entrevista à revista jesuíta
da Suécia, publicada poucos dias antes de sua viagem para uma comemoração
ecumênica conjunta do início da Reforma esta semana.
Há uma contradição entre a
ideologia do cristianismo como um pilar moral da nação e os impulsos neossectários. Mas este é apenas o lado
intelectual do problema.
Há
também um problema moral com o sectarismo católico. Deixar-se levar pela
tentação do sectarismo daria à Igreja a ilusão de estar de fora do sistema
norte-americano, assim como outros “outsiders” estão. No entanto, o catolicismo não está na mesma situação
que o Islã nos Estados Unidos, para citar um exemplo de quem realmente está “de
fora”.
Em
outras palavras, um catolicismo posicionado, dentro da sistemática existente,
não somente está em uma situação muito diferente dos “outsiders” [os e fora]
reais, mas também tem responsabilidades morais para com eles (por exemplo,
quando a sua liberdade religiosa está ameaçada).
Cair na tentação de pensar
sobre o catolicismo no mundo ocidental como quem está “de fora” seria um álibi
fraco, constituindo apenas uma outra maneira de fugir de nossas
responsabilidades terrenas, o que também traria graves consequências internas.
Tornaria a Igreja menos
responsável pelo futuro do nosso mundo, bem como pelos erros do passado. Seria uma Igreja mais
clerical. A Igreja, então, estaria menos sensível ao chamado para ser mais
inclusiva, de acordo com a mensagem de Jesus no Evangelho. E faria com que nos esquecêssemos do quanto a Igreja aprendeu com o
mundo exterior sobre como ser católica.
Este
é apenas um exemplo: foi uma tradição política secular e moderna de liberdade
religiosa que levou a Igreja Católica, há apenas 50 anos, a redescobrir as
palavras de Jesus de que "a resposta a Deus na fé deve ser livre"
(Vaticano II, Dignitatis Humanae, 07
de dezembro de 1965, par. 10).
O Catolicismo
não necessariamente tem de ser um “insider”, membro participante dessa
organização, para ser católico. Há
muitos casos em que a Igreja Católica em todo o mundo nos mostrou como ser
católica sendo uma pequena minoria.
Mas
uma conversão radical do Catolicismo Ocidental a uma situação de estar de fora,
ser um estranho, em diáspora, teria consequências que eu suspeito que a maioria
de nós (incluindo os bispos que estão discutindo uma Igreja menor) não podemos
sequer imaginar. Considerando o que é a
Igreja Católica no mundo ocidental de hoje, este retrocesso radical pode
torná-la menos fiel ao Evangelho, e não mais.
Traduzido
do inglês por Luísa Flores Somavilla.
Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.
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