Como educar crianças e adolescentes hoje?
“Proponho que se brinque com a criança, e não
que ela brinque com o telefone”
Entrevista
com Joseph Knobel Freud
Psicólogo
e psicanalista especializado em tratamento infantil,
sobrinho-neto do fundador
da psicanálise Sigmund Freud
Jaqueline
Sordi
O que está acontecendo com a nossa capacidade de parar,
pensar e
refletir sobre a nossa vida e a de nossos filhos?
JOSEPH KNOBEL FREUD |
Em
uma sociedade regida pelo imediatismo e
pela pressa, se sentimos dor de cabeça, tomamos um remédio em vez de analisar
o que está causando a dor. Se as
crianças estão inquietas na escola, damos uma pílula para que voltem a se
concentrar. Se os jovens estão angustiados, recorrem aos tablets e celulares para desviar os
pensamentos ruins. O que está acontecendo com a nossa capacidade de parar,
pensar e refletir sobre a nossa vida e a de nossos filhos? Essa é uma das
questões que mais inquietam o psicólogo e psicanalista Joseph Knobel Freud.
Americano radicado em
Barcelona, Espanha, o sobrinho-neto de Sigmund
Freud se tornou um famoso pensador europeu, especializado no tratamento de
crianças e adolescentes. Entre outros títulos, é fundador da Escola
de Clínica Psicanalítica com Crianças e Adolescentes de Barcelona,
membro do conselho da Federação Espanhola
de Associações de Psicoterapeutas e autor
de diversos livros sobre psicanálise infantil e sobre a paternidade.
Inspirado
no legado familiar, Joseph sentiu desde cedo o fascínio pela complexidade do
comportamento humano. Na contramão de
uma sociedade que busca respostas rápidas, defende que só pela investigação
inconsciente, pela análise e pela reflexão o homem pode evoluir. Em seus
mais de 20 anos de trajetória profissional, acredita que um dos principais desafios na criação dos filhos é reaprender a se comunicar com as crianças e saber impor
limites.
Em
recente passagem por Porto Alegre para participar de um evento organizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa em
Psicoterapia (Iepp) em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Joseph Knobel Freud
conversou com o jornal Zero Hora
sobre a formação da psique infantil e sobre os desafios da paternidade no mundo
contemporâneo.
Eis
a entrevista.
Crianças na Indonésia - brincar é a marca registrada da verdadeira infância |
Toda
a sua trajetória profissional é focada em crianças e adolescentes. O que há de
singular em trabalhar com esse púbico?
Joseph Knobel
Freud: O
que me fascina é a possibilidade de atuar mais e de forma mais profunda na
psique, o que é possível com crianças e adolescentes porque há uma maior
plasticidade. As possibilidades de mudanças
são maiores do que quando se trata um adulto, porque você está mais perto do
conflito. No adulto, quando há uma situação conflitiva, o acesso a ela é
mais difícil. Já no adolescente e na criança, as situações estão se formando,
você trabalha o psiquismo deles em formação.
Ao
longo das últimas décadas vivenciamos mudanças rápidas, principalmente
tecnológicas. Como o senhor enxerga essas mudanças na forma como criamos nossos
filhos?
Joseph Knobel
Freud: Acredito
que o principal problema está relacionado com a velocidade. Nós vivemos na sociedade do imediatismo.
Se acontece algo no Brasil, eu, que estou na Espanha, por exemplo, tenho que
saber em um minuto, não posso mais esperar. Absorvemos isso no nosso modo de
viver, e acabamos influenciando os mais jovens.
Hoje, tudo é rápido, e isso
impacta diretamente o psiquismo das crianças. Elas querem tudo “já”. Nos restaurantes,
por exemplo, a comida é fast food,
tudo é fast [rápido], e a criança também acaba se colocando no
“modo fast”. Vivemos na época da fast
society [sociedade veloz], e essa
forma de viver gera conflitos. Só que temos de ter consciência de que estes
conflitos não podem ser resolvidos também no modo fast. Tanto pais quanto
psicoterapeutas não podem sucumbir ao querer tudo rápido, querer soluções
imediatas.
É
importante dedicar tempo para pensar nas
coisas. Esse é um dos impactos das redes sociais atualmente. Ninguém mais pensa em nada, temos muita
informação, mas não nos damos tempo para refletir sobre elas, para parar e
pensar. Na Espanha, e em diversos outros países, as crianças pequenas têm cada
vez mais acesso a tablets, iPads, celulares, e isso é terrível. Um
exemplo de como acabamos influenciando as crianças a entrar no modo fast é a cena a seguir, cada vez mais
comum: em um restaurante, quando os pais
vão com os filhos, eles dão o telefone para a criança “se acalmar” enquanto
esperam a comida. Ou seja, não há comunicação entre pais e filhos, mas sim
entre filhos e a tecnologia. Eu proponho
que se brinque com a criança, e não que ela brinque com o telefone. [E como isto é urgente!!! Estamos nos tornando uma sociedade
com dificuldade de comunicação interpessoal!]
BEBÊ COM UM iPAD (tablet) O uso de eletrônicos está começando cada vez mais cedo! |
Atualmente,
a percepção que temos é de que os pais não estão mais sabendo “escutar os
filhos”.
Joseph Knobel
Freud: Lamentavelmente,
acredito que os pais não estão mais
cientes da importância de escutar as crianças. Não existe mais a ideia de
que é saudável se comunicar com os filhos. Acredito que estamos perdendo a consciência sobre a importância da comunicação.
Uma criança deveria ser ouvida com todos os sentidos, não só com as palavras, mas também com os gestos, que muitas vezes são lúdicos. As crianças se comunicam com a gente
brincando, fantasiando, desenhando, criando. Tudo isso faz parte do discurso
delas. As crianças deveriam ser escutadas por tudo isso, com as orelhas, os
olhos e os sentidos todos abertos. Acredito que as novas tecnologias estão
bloqueando, prejudicando essa capacidade de comunicação. A criança que está presa no mundo das telas não é uma criança que
consiga se comunicar. E o pai preso a isso também não consegue.
E
de que forma as novas gerações são impactadas por este fenômeno?
Joseph Knobel
Freud: São crianças muito mais ansiosas, porque querem tudo rápido. São mais caprichosas, muito exigentes, egoístas. (Sigmund) Freud
definiu, em um trabalho publicado em 1914, as crianças como “sua majestade, o
bebê”. Acredito que nos tempos em que vivemos seria “o ditador, o bebê”.
Hoje
uma das principais características da nossa sociedade é a facilidade de acesso
à informação. Isso atrapalha ou contribui para o desenvolvimento?
Joseph Knobel
Freud: Da
forma como lidamos com a tecnologia, prejudica. Hoje as crianças interagem com
esses meios eletrônicos sem a mediação de um adulto, sem um adulto para
ensinar. Hoje se pensa que, com a
tecnologia, a criança pode aprender sozinha, e isso não é verdade. A criança precisa da ajuda de um adulto
para aprender, para dizer “isso é útil”, “isso não é bom” etc.
E
como os pais podem ajudar?
Joseph Knobel
Freud: Não dando às crianças
computadores, nem iPads [tablets], nem telefones. Evitando a televisão, conversando muito mais e ajudando para que haja comunicação. Hoje
há pais que não conversam com seus filhos, que não brincam, não saem para
caminhar. Muitas vezes no meu consultório chegam pais perguntando: “O que faço
para que meu filho saia da frente do computador, saia para passear?”. E eu
questiono: “Quantos computadores você
tem em casa? E televisores? E quem põe tudo aquilo lá?”. Com certeza não
foi a criança que saiu para comprar.
Outra
questão atualmente muito debatida sobre paternidade é o excesso de atividades a
que as crianças são submetidas – aulas de idiomas, natação, artes etc. Isto vem
sendo criticado por muitos especialistas, que afirmam que estamos criando uma
geração de ansiosos. Como o senhor avalia este fenômeno?
Joseph Knobel
Freud: Estamos
formando crianças não só ansiosas, mas também muito exigentes. A criança não tem que saber tudo. Não
tem que saber nadar, falar outros idiomas, aprender caratê. Estamos criando uma sociedade da
hiperexigência, em que queremos
filhos perfeitos porque não sabemos lidar com a nossa imperfeição. A
consequência é a ansiedade das crianças, a angústia por almejar um ideal que
nunca vão alcançar. [E isso tem sido uma das causas da depressão infantil e juvenil!]
Mas
muitas vezes os pais colocam os filhos nas atividades porque precisam ficar
longe de casa para trabalhar.
Joseph Knobel
Freud: Acredito
que este não seja o problema mais grave aí. Em muitos países europeus, os pais
trabalham no mesmo horário escolar dos filhos, mas mesmo assim os levam, depois
da aula, para outras atividades extracurriculares. O problema vai além destas questões práticas. Tornou-se quase uma
exigência formá-los demais.
PAI CONVERSANDO E BRINCANDO COM SEU FILHO Isso é o fundamental: doar tempo para o filho/a, conversar mais, brincar mais, passear mais!!! |
Em
diversos textos, o senhor comenta que estamos sabendo menos o que é a infância.
Joseph Knobel
Freud: Estamos
nos afastando da infância porque estamos
“adultizando” as crianças. Com a televisão, com a internet, com o excesso
de exigências, estamos dando informações
em excesso a elas. Estamos vendo as crianças desde uma perspectiva adulta e
nos esquecendo inclusive das crianças que temos em nós.
Falando
em transtornos e doenças, vamos discutir um pouco sobre o déficit de atenção.
Atualmente, a quantidade de diagnósticos vem crescendo, principalmente no
Brasil, tornando-se um transtorno “comum” entre os jovens. Entretanto, no seu
livro El reto de ser padres [O desafio de ser pais], o senhor apresenta uma posição
polêmica sobre o assunto. Pode explicar?
Joseph Knobel
Freud: Para
mim, esse transtorno é uma invenção dos laboratórios. Não pode ser que
ultimamente haja tantas crianças com hiperatividade, com dificuldade de
atenção. E antes como era? Elas não se moviam, não tinham alguma dificuldade
para se concentrar? O transtorno surge
no momento em que surge o medicamento. É
uma invenção da indústria para vender Ritalina.* É
preciso, ao invés de sair medicando, verificar
o porquê de a criança estar se movimentando mais. Pode ser porque os pais
não estão dando limites, porque o pai ou a mãe está deprimido e a criança está
querendo chamar a atenção. São muitos os motivos, que devem ser pensados,
avaliados junto com a criança. Entretanto, atualmente
todos querem logo dar a pastilha do “sentir-se bem” para resolver o problema,
como se não houvesse outra forma de fazer a criança se sentir bem.
O
senhor afirma que existem três ferramentas fundamentais para o desenvolvimento
das crianças: o TEMPO, a ENTREGA e o BRINCAR.
Joseph Knobel
Freud: Na
verdade, ao fazer isso, está-se dando
espaço às crianças para aquilo a que corresponde essa etapa da vida. Tempo
para brincar, para aproveitar com amigos, para desenvolver laços. Esses dias me
perguntaram, por causa do Dia das Crianças, qual o melhor presente que se pode dar a uma criança? A minha
resposta foi: o tempo. Dê seu tempo,
não precisa comprar um objeto, os filhos
querem é estar com seus pais. O brincar é o que caracteriza a infância. Uma criança que não sabe brincar
não será uma pessoa feliz. Temos que estimular
a brincadeira, e isso não significa ensinar a apertar botões, mas sim a criar, a inventar, a desenvolver a
imaginação.
IMPOR LIMITES É fundamental para a educação de uma criança! |
O
senhor menciona a importância de dar limites aos filhos, mas também destaca a
liberdade criativa como elemento fundamental para o desenvolvimento. Como
deixar a criança livre e ao mesmo tempo dar limites?
Joseph Knobel
Freud: Aí
temos que entender essa diferença, de estimular a criança a brincar, criar,
desenvolver a criatividade, mas não significando que a criança pode fazer o que
quiser. Um exemplo prático disso:
você deve estimular a criança a pintar, a colorir, e para tal você dá papel a
ela. Mas, se ela quiser pintar as paredes da casa, você mostra que está errado,
diz que não pode. Quando for pintar os papéis, você fica feliz, estimula. Isso
é estabelecer limite.
Costumamos
sempre apontar os problemas contemporâneos na criação dos filhos, destacando as
falhas, os excessos. Temos diversos livros com dicas, regras etc. sobre a forma
correta de criar. Isso não colabora para uma geração de pais aflitos, que se
sentem incapazes?
Joseph Knobel
Freud: Não
acredito que esteja colaborando, o que acredito é que é a ansiedade dos pais que estimulou a produção destes livros e
manuais, com conselhos etc. E acredito nisso porque há cada vez mais pais que não se sentem adultos responsáveis a ponto de
dar limites aos filhos, e isso gera essa ansiedade em toda a família.
Em
que pontos estamos melhores em relação a gerações anteriores?
Joseph Knobel
Freud: A
verdade é que não vejo grandes avanços nesse tema. Não acredito que estejamos educando bem nossos filhos. Deposita-se muito a responsabilidade pela
educação nas escolas, mas as crianças devem ir para lá já educadas. A
escola é um lugar para aprender, não para educar. É a família que educa. Se os pais
não educam corretamente e depois responsabilizam a escola, algo grave está
acontecendo. A sociedade está perigosa, as crianças sentem medo, e os pais não
acalmam, eles apelam aos calmantes como celulares, iPads, televisão. [Sensacional! Essa
resposta é uma verdadeira pérola! Valiosíssima!]
SIGMUND FREUD (1856-1939): Médico neurologista de nacionalidade austríaca, tornou-se o "pai", o criador da Psicanálise |
Não
posso terminar a entrevista sem lhe perguntar: como é carregar o peso do
sobrenome do pai da psicanálise, de ter entre seus parentes diretos pessoas tão
importantes para a área como Sigmund Freud, Anna Freud, e o seu pai, Mauricio
Knobel?
Joseph Knobel
Freud: Para
mim, é um grande orgulho ter este sobrenome. Carrego-o com respeito e honra.
Meus pais eram psicanalistas, e muitos outros membros de minha família também.
O tema nunca me foi estranho, nem raro, nem complicado. Sempre me fascinou.
O
senhor acredita que a contribuição de Freud está sendo bem aproveitada neste
momento, em que a busca por soluções rápidas toma conta cada vez mais de nossa
sociedade?
Joseph Knobel
Freud: Acredito
que sim. (Sigmund) Freud transformou a forma de entender os
problemas do ser humano. Eu e todos seus seguidores acompanhamos esta linha
de compreensão, desde diferentes perspectivas. Mas vivemos um momento complicado por causa desta sociedade imediatista e
na busca por respostas rápidas. Antigamente, a relação com o tempo era
outra, as soluções não precisavam ser tão imediatas.
Como
a psicanálise poderia atuar para não ser engolida pela pressão moderna, pelo
imediatismo que domina nossa sociedade?
Joseph Knobel
Freud: Informando. Tendo uma presença maior
nos meios de comunicação, dialogando com
as escolas, com os pais. Muitas vezes são os próprios psicanalistas que não
saem de suas instituições para falar com o público em uma linguagem clara e
aberta sobre os problemas das pessoas. Se
você for a uma livraria, vai encontrar muitos autores com um vocabulário
fechado. Eu sigo a linha de (D. W.) Winnicott
e de (Françoise) Dolto, ambos
foram grandes psicanalistas de crianças, mas não hesitaram em escrever e
dialogar com suas famílias, nem em fazer programas de rádio.
Após
tantos anos trabalhando diretamente com famílias de crianças e adolescentes,
quais os principais conselhos que o senhor dá sobre a criação dos filhos?
Joseph Knobel
Freud: A
melhor forma de expressar amor é estabelecer limites. Muitos pais temem perder o amor dos filhos por dar limites a eles.
Mas na verdade é o contrário. O
principal problema da paternidade atualmente é que os pais não se atrevem a
assumir seu papel de autoridade e se sentem culpados por ter que enfrentar os
filhos. Por isso sucumbem às respostas imediatas dos medicamentos, evitam a
comunicação dando iPads, celulares. É preciso conversar, mas também é
necessário exercer autoridade e estabelecer limites.
N O T A
*
RITALINA é o nome comercial do metilfenidato, medicação que promete tratar o Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade, ou TDAH, e os principais consumidores da droga
tarja preta são crianças e adolescentes. As crianças com dificuldades de
comportamento, agitadas e irrequietas são vistas como doentes pelos
profissionais da psiquiatria biológica e da neurociência, e então eles receitam
remédios. Como consequência, temos um número elevadíssimo de crianças recebendo
medicação, mas sem se discutir se a ela é mesmo necessária ou se é a melhor
forma de cuidado. Além de causar
dependência, a Ritalina provoca muitos outros efeitos colaterais: as crianças emagrecem, têm insônia, podem ter
dor de cabeça e enurese [incontinência urinária]. E, apesar de sua fama, não tenho uma experiência de eficácia da
droga, mesmo em casos em que ela deveria ser usada. Percebo que o trabalho
de terapia, de orientação e cuidado real com a criança dá muito mais resultado
(Fonte: Wagner Ranña, médico
psiquiatra em entrevista concedida à revista CartaCapital, clique aqui).
Comentários
Postar um comentário